Anatel é contra usina cearense que pode romper cabos e causar apagão na Internet

A Anatel é contra o projeto que prevê a construção de uma usina de dessalinização na praia do Futuro em Fortaleza (CE), em virtude da obra oferecer um sério risco aos cabos submarinos de diversas empresas de telecomunicações, que propiciam o tráfego de Internet do Brasil e também interligam a América do Sul com outros continentes. Que se forem rompidos, poderiam causar um apagão na Internet no Brasil e em toda a região.

O presidente da agência reguladora, Carlos Manuel Baigorri, já expediu ofícios com o arquivo anexado do estudo feito pela Anatel, registrado numa nota técnica nº 222/2023/COQL/SCO (SEI nº 10945800), em poder deste blog. Mas que por questões de segurança nacional e conterem informações estratégicas das empresas não serão divulgados.

“A Anatel decide por reiterar a oposição à obra de construção da usina nos termos do atual projeto, e a recomendação de alteração de projeto de construção para outro local dentre aquelas opções avaliadas como possíveis à época do Edital”, informa a agência no seu estudo já informado a diversos órgãos governamentais e do Ceará. O resultado do estudo foi o seguinte:

I – Que os cabos submarinos são infraestrutura essencial ao funcionamento das telecomunicações e da
internet no Brasil e também para o fluxo de informações entre os continentes sul americano, africano,
europeu e norte americano, ligados diretamente a partir de Fortaleza-CE;
II – Que tais cabos ali estão ancorados há décadas, desde antes da privatização do setor de
telecomunicações;
III – Que, pela sua importância, atendem ao conceito de infraestrutura crítica, nos termos do Decreto nº
9.573/2018, que disciplina assim conceitua as instalações, serviços, bens e sistemas cuja interrupção ou destruição, total ou parcial, provoque sério impacto social, ambiental, econômico, político, internacional ou à segurança do Estado e da sociedade;
IV – Que os cabos já estão inseridos em contexto de riscos naturais e sujeitos à interrupções a partir de
tais riscos;
V – Que falhas nos cabos provocam danos, e seu reparo decorre de atividade lenta e complexa, envolvendo navios de enorme tamanho, mergulhadores e equipamentos subaquáticos;
VI – Que a adição de riscos, portanto, é indesejável e, mais que isso, imprudente;
VII – Que o Decreto nº 9.319/2018 estabeleceu o Sistema Nacional para a Transformação Digital que nos
seus objetivos a serem alcançados está fortalecer a segurança cibernética no País, com estabelecimento de mecanismos de cooperação entre entes governamentais, entes federados e setor privado, com vistas à adoção de melhores práticas, coordenação de resposta a incidentes e proteção da infraestrutura crítica. Também consta promover a criação de forte ecossistema para desenvolvimento da economia de dados, com incentivos ao desenvolvimento de infraestrutura de telecomunicações e à atração de data centers ao País;
VIII – Que o Decreto nº 9.573/2018 estabelece a Política Nacional de Segurança de Infraestruturas Críticas (PNSIC) que determina que a administração pública federal direta, autárquica, fundacional e as empresas estatais dependentes de recursos do Tesouro Nacional para o custeio de despesas de pessoal ou para o custeio em geral considerarão, em seus planejamentos, ações que concorram para a segurança das infraestruturas críticas;
IX – Que os estudos de avaliação do local da obra objeto da Concorrência Pública Internacional nº
20200001/CAGECE/CCC previram a interferência nos cabos, todavia de forma subdimensionada;
X – Que existem outras opções para realização do projeto, cuja importância esta Agência não refuta;
XI – Que o atual projeto apresentado pela SPE – Águas de Fortaleza, embora tenha 1.584 páginas, não
contém uma sessão sequer dedicada à analisar riscos e providências para com a infraestrutura terrestre e marítima associada aos cabos submarinos;
XII – Que o próprio estudo de viabilidade do projeto assume que a zona costeira é uma área de transição, sujeita a processos biológicos e físicos relacionados tanto ao oceano como ao continente, em que sua condição ao longo do tempo pode ser traduzida como um Equilíbrio Dinâmico, crítico e extremamente
sensível a impactos naturais ou antrópicos aos meios físicos ou bióticos;
XIII – Que no projeto da SPE são ignoradas as possibilidades de influência, dos dutos marítimos da Usina que despejam (supõe-se, com força e alta pressão) os dejetos em maior concentração de sal ao mar após o processo de dessanilização, no leito marinho, portanto, não provendo qualquer segurança aos interessados do setor de telecomunicações em relação a inexistência de riscos às infraestruturas lá instaladas;
XIV – Que não há no projeto atual qualquer estudo, previsão, planejamento e detalhamento das medidas
que serão adotadas para garantir que os dutos terrestres da Usina (adutoras de grande calibre e cortes, perfurações nas avenidas da cidade) não provocarão interferências nos cabos terrestres de telecomunicações;
XV – Que o local de instalação da Usina em terra se avizinha de Data Centers instalados na região a partir dos incentivos de Lei municipal que criou o “Parque Tecnológico e Criativo Praia do Futuro”, em distância ínfima e com consequente afetação para as certificações essenciais à esse tipo de empreendimento de tecnologia, bem como sem qualquer previsão de medidas de prevenção contra acidentes (que foram demostrados como existentes em outros casos), tampouco previsão de seguros;
XVI – Que o projeto SPE não trata das 11 recomendações do International Cable Protection Commitee Informe 222 (10945800) SEI 53500.039452/2021-40 / pg. 30 (ICPC) informadas pela Agência, que não se limitou a requerer distanciamento de 500 metros em nenhum documento;
XVII – Que os cabos têm vida útil e há aumento anual de demanda de tráfego de internet, que tendem a
requerer, paulatinamente e ao longo dos anos, decisão dos detentores quanto a substituição de cabos e/ou expansão para novos cabos;
XVIII – Que a instalação da Usina no local causa um desincen􀀽vo a tais inves􀀽mentos face aos riscos
adicionados na região;
XIX – Que recai aos interessados em construir novas instalações nas proximidades a adoção de postura
diligente, cuidadosa, com empenho de estudos técnicos de credibilidade que estabeleçam e delimitem quais especificamente são os riscos, em quais condições e cenários de curto, médio e longo prazos, não só quanto ao período de construção, mas também de operação e manutenção das duas infraestruturas, bem como apontem os cuidados, proteções, planejamento, com detalhamento adequado, que garantam
categoricamente a ausência de quaisquer riscos à infraestrutura instalada. E não só em relação aos cabos submersos, mas também aos pontos de ancoragem em praia, suas derivações terrestres e incluindo as estações de telecomunicações e data centers que processam os dados trafegados.
XX – Que os normativos brasileiros amparam a atuação desta Agência e demais órgãos públicos e reforçam cristalinamente que qualquer atividade que possa promover riscos à infraestruturas críticas do país deve ser manejada com o máximo de conservadorismo possível e estudos que demonstrem em absoluto que os riscos ou não são reais, ou são integralmente mitigados, e de que forma, face aos impactos negativos indesejados pela sociedade brasileira;

Os ofícios foram expedidos para o Ministério das Comunicações, GSI da Presidência da República, Secretaria de Patrimônio da União, Prefeitura de Fortaleza e órgãos vinculados e as empresas detentoras de cabos submarinos.