ABDI faz lobby para Israel vender iluminação pública com 5G no Brasil

Um grande esquema político e comercial está em curso dentro da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial e vem desde o Governo Bolsonaro. Sobreviveu facilmente à transição para o Governo Lula sem nenhum arranhão. Nem do ponto de vista político, nem tampouco quanto a um questionamento sobre qual seria o benefício para o Brasil de tal “política industrial”. O projeto ainda tem claros indícios de improbidade administrativa.

A ABDI criou o programa “Conecta 5G”, que por definição em sua página na Internet é um projeto em parceria com o Parque São José dos Campos, com apoio do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)“. Ele visa dotar os municípios brasileiros de “lâmpadas inteligentes”, com a tecnologia 5G embarcada para diversos fins.

A luminária que está sendo instalada no Brasil em caráter de teste foi desenvolvida pelas empresas Nokia (Finlândia) e Juganu (Israel) e contém uma antena 5G embutida que utiliza a tecnologia de chipset da empresa Qualcomm (EUA). Nenhuma empresa nacional está participando do projeto.

Do ponto de vista tecnológico não há o que duvidar ou criticar nas lâmpadas inteligentes israelenses. Elas trarão múltiplos benefícios para as cidades brasileiras, inclusive na conectividade com a tecnologia 5G. Porém, é de se questionar algumas outras coisinhas.

Primeiro, por que a ABDI está bancando um projeto que já consumiu mais de R$ 10 milhões para abrir as portas do mercado brasileiro a uma empresa israelense?

Um estudo do Banco Mundial, informa que o parque de iluminação pública no Brasil é estimado em mais de 18 milhões de pontos de luz. Ele representaria cerca de 4,3% do consumo total de energia elétrica do país e compromete entre 3% e 5% do orçamento dos municípios. Isto porque as lâmpadas instaladas hoje à base de gás perdem para a tecnologia LED em custo de manutenção, durabilidade e facilidade de substituição.

Será que nenhuma empresa nacional estaria disposta e entrar como “parceira” no desenvolvimento dessa tecnologia embarcada com 5G para evitar perder esse mercado futuramente para as lâmpadas de LED? São questionamentos que somente a ABDI poderá explicar mas, procurada, não quis.

Já as presenças da Nokia e da Qualcomm no projeto israelense demonstram claramente como o Brasil é completamente desorganizado em sua política industrial e não tem projetos de Pesquisa e Desenvolvimento claros, que possam gerar benefícios ao país em troca da renúncia fiscal que concede aos dois fabricantes pela Lei de Informática. Terem desenvolvido a tecnologia em Israel, quando poderiam buscar fabricantes brasileiros e as Universidades para parcerias nessa área, é uma demonstração de como essas grandes multinacionais desconsideram o Brasil em matéria de política de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico.

Mas a culpa por esse fato é apenas das empresas estrangeiras? Não. O problema está na quantidade de gente desqualificada que ocupa cargos no governo federal, graças ao apoio político de uma elite dominante que só pensa nela mesma. E tomam decisões sem sequer ouvir o mercado sobre suas necessidades de investimento em processos produtivos básicos, pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Não é à toa que o presidente da ABDI, Igor Calvet, e o gerente de Novos Negócios da Agência, Tiago Faierstein, se sentem à vontade para desde 2021 rodarem o país como verdadeiros “caixeiros viajantes”, para mostrar os benefícios da “lâmpada inteligente 5G” de fabricação israelense às prefeituras municipais.

E elas já estão instaladas em caráter de testes nas capitais de Curitiba (PR) e Maceió (AL). Outros 12 municípios também contam com as lâmpadas inteligentes 5G israelenses: Juiz de Fora (MG); Ceará-Mirim (RN); Petrolina (PE); Araguaína (TO); Jaraguá do Sul (SC); Picos (PI); Sorocaba (SP); Paraipaba (CE); Pato Branco (PR); Foz do Iguaçu (PR); Parauapebas (PA); Canaã dos Carajás (PA).

A própria participação do Parque Tecnológico de São José dos Campos (PqTec) no “Conecta 5G” é duvidosa, pois não há nenhuma referência na página da instituição que indique que alguma tecnologia esteja sendo estudada para ser embutida na luminária. Há apenas uma simples menção de que o PqTec é “parceiro da ABDI”, sem explicar claramente em quê.

Esquema político

O projeto da ABDI foi iniciado em 2021 com o apoio incondicional do Ministério das Comunicações na gestão Fabio Faria, que inclusive participou com Igor Calvet da solenidade de lançamento da tecnologia em Natal, no Rio Grande do Norte. O ministro também envolveu a participação da Anatel no programa, para dar o ar de que ambos os órgãos federais estão chancelando a tecnologia israelense.

Aos olhos de qualquer prefeito municipal, tal apoio federal soa como um “compre com a gente”. E serão eles realmente os futuros compradores dessas lâmpadas. O entusiasmo de Fabio Faria pelo “Conecta 5G” foi tamanho, que o ministro das Comunicações chegou a visitar a fábrica da Juganu em Israel, acompanhado de Igor Calvet.

Há uma forte expectativa para que o projeto seja acelerado nos próximos meses, tendo em vista as eleições municipais do ano que vem. Qual o prefeito em processo de reeleição, que não desejaria mostrar ao eleitor os benefícios de uma iluminação pública de qualidade técnica superior?

Sobrevivente

O presidente da ABDI sobreviveu à transição dos governos Bolsonaro/Lula, graças ao apoio político que desfruta com o presidente nacional do Republicanos e deputado federal por São Paulo, Marcos Pereira. O mesmo que acaba de emplacar o Ministério de Portos e Aeroportos com a indicação do deputado Silvio Costa Filho (PE), mas que declara o partido como sendo “independente” em relação ao Governo Lula.

Estando no Governo Lula ou não, o fato é que o presidente do Republicanos é um entusiasta do projeto da ABDI. E tem sido apontado no meio político como “padrinho” da cúpula da agência que promove o “Conecta 5G”. Marcos Pereira, inclusive já participou de eventos do projeto, quando estes ocorrem em suas bases eleitorais. O deputado (de casaco preto) esteve, por exemplo, na Prefeitura de Sorocaba, em junho de 2022, participando do lançamento do “Conecta 5G”.

Evento que contou com a presença do presidente da ABDI, Igor Calvet (braços cruzados) e do gerente de Novos Negócios, Tiago Faierstein ( fazendo a apresentação). Este último, sempre que participa como representante da ABDI (leia-se governo federal), acaba ocupando o papel “demonstrador” dos benefícios da luminária inteligente; papel que ficaria melhor a um representante da empresa israelense Juganu.

“Herança”

O projeto da ABDI começou em 2021 com o apoio do ex-ministro das Comunicações, Fabio Faria, mas continua firme e ativo em 2023, com a chegada do Governo Lula. Em janeiro deste ano o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, se reuniu em seu gabinete com o presidente da ABDI, Igor Calvet, e ao final do encontro mandou sua assessoria de imprensa publicar a informação de que o Ministério das Comunicações renovou o seu apoio ao “Conecta 5G”. “É uma iniciativa que ajuda na expansão da tecnologia pelo Brasil – uma das nossas prioridades. Então, vamos continuar apoiando”, garantiu Juscelino.

É muito mais que um mero “apoio” institucional ministerial. No projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2024, que está tramitando no Congresso Nacional, o Ministério das Comunicações estima ter verbas destinadas para conectividade de cidades e montagem de infraestrutura que podem chegar a mais de R$ 11 milhões. Embora não sejam diretamente direcionados para o “Conecta 5G”, isso nada impediria que uma parte desses recursos fossem parar lá. Além disso o MCOM conta com verba do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), que também podem ser canalizados para o projeto.

Tal como fez Fabio Faria, seu sucessor no Ministério das Comunicações, Juscelino Filho, também viajou para Israel com a sua equipe. Ele aproveitou que estava participando em janeiro do Mobile World Congress em Barcelona, na Espanha, e de lá voou para Israel.

Sua viagem foi registrada pela imprensa do ministério como sendo uma visita à sede da Juganu na cidade de Or Yehuda, para assistir demonstração de “equipamentos de monitoramento e sensoriamento que transformam postes de iluminação pública em luminárias inteligentes, possibilitando conexão e gestão diretas das administrações locais”. E quem ciceroneou a visita aos israelenses foi o diretor de novos negócios da ABDI, Tiago Faierstein. O encontro não teve registro fotográfico. No Ministério das Comunicações a alegação é de que a Juganu proibiu imagens de sua fábrica.

Esquema comercial

Mesmo assim, o “Conecta 5G” já nasceu pronto; não tem problemas de recursos para ser ampliado nos próximos anos com a tecnologia israelense de iluminação pública, mesclada com a do 5G da Nokia e da Qualcomm embarcadas. Toda e qualquer prefeitura que desejar participar do “Conecta 5G” contará com o seu próprio orçamento obtido através da CIP – Contribuição para Iluminação Pública, que é descontada mensalmente de todos os brasileiros e empresas na conta de luz. Mesmo aqueles que sequer gozam do privilégio de ter iluminação pública na porta da sua casa. A contribuição é cobrada da seguinte forma:

0,25% do contribuinte cujo imóvel dispender de 0 a 30 KWh por mês;
0,5% do contribuinte cujo imóvel dispender de 31 a 50 KWh por mês;
2,00% do contribuinte, cujo imóvel dispender de 51 a 100 KWh por mês;
4,00% do contribuinte cujo imóvel dispender de 101 a 200 KWh por mês;
5,50% do contribuinte cujo imóvel dispender de 201 a 300 KWh por mês;
7,00% do contribuinte cujo imóvel dispender acima de 301 KWh por mês.

Transportem isso para 18 milhões de postes de luz e respondam: É ou não um grande negócio com claros indícios de não ser tão “republicano”, quanto aparenta?

A empresa israelense tem representação no Brasil. Mas para fabricar as luminárias inteligentes com tecnologia 5G embarcadas? Não. Este blog procurou informações junto aos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; sobre algum pedido da empresa para instalação de fábrica no Brasil. E não encontrou nada que pudesse comprovar que a Juganu do Brasil seja algo além de um escritório de representação no momento.

Para se instalar no Brasil certamente a empresa israelense pediria incentivos fiscais da Lei de Informática. Mas não há nenhum pedido de “PPB” (Processo Produtivo Básico) em nome da empresa no Brasil.

O endereço da Juganu do Brasil fica no número 452 da Avenida Marechal Castelo Branco, no Jardim Três Marias, em Taboão da Serra (SP). Mas lá, embora exista um gigantesco galpão que poderia abrigar uma fábrica ou pelo menos um grande depósito de luminárias, ele encontra-se fechado. Não há na fachada do prédio nenhuma indicação que lá seja a fábrica da Juganu do Brasil. Embora o endereço tenha sido fornecido pela empresa ao fazer o seu registro junto à Receita Federal em maio de 2020.

Aliás, ao obter o seu CNPJ junto ao fisco, a empresa israelense pouco acrescentou quando a possibilidade de vir ser uma fabricante de equipamentos de iluminação pública no Brasil. Sua principal atividade descrita para a Receita Federal é a de “Montagem e Instalação de sistemas e equipamentos de iluminação pública e sinalização em vias públicas, portos e aeroportos”.

As demais atividades também pouco acrescentam à informação, se os israelenses da Juganu pretendem instalar uma unidade fabril no Brasil

Mas imaginem agora a seguinte situação. Com o Ministério de Portos e Aeroportos nas mãos do Republicanos de Marcos Pereira, quem terá a grande chance de se tornar o futuro fornecedor das luminárias inteligentes 5G nestes estabelecimentos?

Estranha sociedade

No somatório das estranhezas político/comerciais do “Conecta 5G”, ainda tem uma informação que acaba deixando margens para dúvidas, se também não haveria um “quê” de improbidade administrativa. O gerente de Novos Negócios da ABDI, Tiago Faierstein, que praticamente atua como o maior promotor do “Conecta 5G” realizando apresentações pelo país afora, tem uma estranha sociedade na Flórida (EUA) com o presidente da Juganu do Brasil, Bruno Gemus.

Tiago e Bruno são sócios na BGTF Investments LLC, registrada em Orlando, na Flórida. A empresa aparentemente não funciona. Até porquê, os dois sócios moram no Brasil (Bruno em Goiânia e Tiago em Brasília). Mas fica a dúvida: por qual motivo eles teriam uma sociedade na Flórida, ao passo que atuam no Brasil numa parceria público-privada?

Ambos foram procurados pelo blog, mas não responderam à questão. Os organismos de controle brasileiros deveriam aprofundar essa investigação, pois há claros indícios de improbidade administrativa. Como pode um agende público estar se valendo do cargo que ocupa na ABDI, para ajudar uma empresa israelense a vender luminárias inteligentes 5G no Brasil. Empresa que tem como presidente o seu sócio na Flórida?

*Todos os personagens citados nessa reportagem foram procurados na última sexta-feira para explicar a sua participação no projeto “Conecta 5G”. Entretanto, nenhum quis responder à série de perguntas encaminhadas pelo blog. A Assessoria de Imprensa da ABDI, que tem contrato com a FSB Comunicação, até a data de ontem (18) sequer retornou ao pedido de informações do blog. Nem para avisar que a agência havia decidido não responder às questões.