Por Jeovani Salomão* – A herança econômica, tecnológica e de processos da Revolução Industrial é perceptível na sociedade até os dias atuais. Há um reconhecimento geral que esse período representou um dos maiores marcos históricos da humanidade, principalmente sob o olhar econômico. O vencedor do Prêmio Nobel Robert E. Lucas, considerado um dos grandes macroeconomistas do século XX, menciona:
“Pela primeira vez na história o padrão de vida das pessoas comuns começou a se submeter a um crescimento sustentado … Nada remotamente parecido com este comportamento econômico é mencionado por economistas clássicos, até mesmo como uma possibilidade teórica. ”
O trabalhador do século XVIII perdeu o domínio sobre a confecção integral do seu produto, bem como a compreensão ampla do processo produtivo, passando a se tornar um elemento em uma linha de produção, responsável e conhecedor apenas do mínimo necessário para executar a sua pequena parte do todo.
De forma invisível, a ciência, particularmente a Física, iniciou sua jornada para o domínio das corporações, não apenas do ponto de vista tecnológico, de materiais, de inventos e criação, mas também sob o ponto de vista organizacional e cultural. O mecanicismo de Newton invadiu o jeito de pensar dos administradores e se infiltrou de forma incisiva no modelo mental do cidadão comum.
É natural, por exemplo, se referir ao corpo humano com uma “máquina perfeita”, quando uma estrutura ou corporação funciona bem, dizemos que “funciona como um relógio”, quando queremos melhorar algo, mencionamos que precisamos “azeitar as engrenagens”, quando alguém tem boa saúde, tem “saúde de ferro”. Referências e mais referências sobre a máquina, sobre a Física como regente das relações e do funcionamento.
Organizações mecanicistas possuem características com as quais convivemos na maior parte das nossas vidas. Decisões no topo, hierarquia como forma de autoridade, estruturas burocráticas e verticais, comunicação unilateral, uma única forma de funcionamento e resposta corretos, poder nas estruturas intermediárias (gerências), trabalho individualizado e segmentado.
A Física tem influenciado a sociedade como um todo e, em parceria indissociável com a matemática, foi a base para a criação de grandes avanços científicos e tecnológicos que melhoraram de forma contínua a qualidade de vida. Em seu primeiro livro, A Estrada do Futuro – 1995, Bill Gates menciona que um cidadão de classe média dos tempos atuais tem um padrão de vida superior aos reis da idade média.
Dentre tantas conquistas, essa ciência foi responsável pela criação e avanços dos computadores, cuja trajetória tem impactos decisivos no nosso cotidiano. Mais recentemente, a aplicação da Física quântica promete gerar capacidade de processamento de dados a níveis nunca vistos. Google, IBM e Intel são exemplos dos gigantes que competem nessa disciplina, e já há anúncios de tonar seus inventos um milhão de vezes mais rápidos que os equipamentos convencionais.
O curioso ciclo das dinâmicas sociais, no entanto, nos leva por caminhos interessantes. Justamente a proliferação da Tecnologia da Informação foi um vetor decisivo para o surgimento, crescimento e fortalecimento da Era do Conhecimento. Democratização da informação, mudanças rápidas, relacionamento multifacetado e global, necessidade de velocidade na tomada de decisão, comunicação instantânea, mobilidade, alto grau de exigência dos clientes, serviços digitais são características desse novo momento.
Nesse cenário, as organizações regidas pela Física já não são mais efetivas. Se transformaram em estruturas caras, pouco flexíveis, com respostas lentas, burocráticas e ineficientes. A sociedade clama por organizações interdependentes, com decisões descentralizadas e focadas no cliente, com múltiplas alternativas sobre a maneira de fazer, que sejam capazes de conviver com a ambiguidade e que reconheçam múltiplos padrões de comportamento interno e externo. A ciência protagonista para a solução dessas questões não é mais a Física e sim a Biologia.
Esse movimento está em curso desde o final do século passado, promovendo verdadeiras transformações. Em 1990, o ranking das 10 maiores empresas do mundo era recheado de empresas de petróleo e automotivas. Em 2019, 8 das 10 maiores são do setor de economia digital, lideradas pela Amazon.
Se não bastasse, para acelerar ainda mais as mudanças, nos deparamos com a pandemia provocada pelo COVID. Um vírus oriundo, evidentemente, da Biologia e não da Física, que mexe com os alicerces sociais de forma inédita. De um dia para o outro, literalmente, precisamos aprender novas dinâmicas sociais de convívio no trabalho e em casa. As interações familiares baseadas em comando e controle, hierarquia, comunicação vertical e em uma só direção possuem baixas possibilidades de prosperar. A inspiração biológica deve ganhar espaço também nos nossos lares.
As decisões de isolamento social – como, quando e quem confinar – estão baseadas fortemente nas opiniões de médicos, infectologistas e biólogos. A Biologia se vingou! Pela primeira vez na história, rege as relações sociais, trazendo uma nova luz para o futuro.
No entanto, não podemos esquecer dos erros do passado. A Física, quando adotada de forma isolada, conseguiu oferecer alternativas por algum período, mas, sozinha, encontrou seus limites e fracassou no cenário mais fluido da Era da Informação. O mesmo ocorrerá com a Biologia, ou com qualquer outra disciplina que for adotada de forma hermética.
A chave do sucesso é uma abordagem multidisciplinar. Em particular, no momento atual, a ciência deve ser pilar fundamental nas decisões sobre a pandemia, mas não podemos nos restringir à Biologia. As melhores respostas devem vir da mistura entre Medicina, Economia, Ciências Sociais, Física, Estatística e Matemática.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.