Como todo bom gestor público, quando confrontado com a crítica, reage com o fígado. Como se ela fosse endereçada para questionar a competência de alguém. Este blog nada mais fez que constatar uma dura realidade conhecida por quem mora em Brasília: 24 anos depois, a área de 1 milhão de metros quadrados do chamado “Parque Capital Digital” (nome original) – hoje conhecido por “Biotic” – não passa de um criatório de escorpiões e gambás, em área ambiental que foi destinada para se transformar no “Vale do Silício brasileiro”.
Tem um prédio central que funciona como sede e no empreendimento até agora só abriga um laboratório 5G da Huawei e outros dois do Detran e do Banco de Brasília (BRB). Há promessas de novos empreendimentos ainda não revelados oficialmente.
De resto, só mato. Com muito boa vontade pode-se alegar que existe um gigantesco data center do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, mas na realidade esse empreendimento foi construído em área contigua a do parque.
Originalmente o Parque Tecnológico Capital Digital foi concebido e criado em 1999 por inspiração do empresário da área de Tecnologia da Informação, Antônio Fábio Ribeiro, ex-presidente do SINFOR-DF (Sindicato da Indústria de Informação do Distrito Federal. Que junto com outros idealizadores do projeto tinham como meta (ou sonho) ver Brasília se transformar na capital da inovação tecnológica. Para tanto, estudaram e projetaram a criação de mais um setor, que por suas características abrigaria uma “indústria limpa” já que seria construída numa área ambiental (o Distrito Federal, por decisão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi transformado numa gigantesca “APA” – Área de Proteção Ambiental.
Antônio Fábio, aliado do então Governador Joaquim Roriz, chegou à façanha de reunir lados antagônicos da política no DF, quando conseguiu por unanimidade aprovar na Câmara Legislativa a criação desse parte. Inclusive com o apoio da esquerda e do então deputado Rodrigo Rollemberg (PSB) que mais tarde viria a ser governador um dos responsáveis pelo travamento do processo de implantação do “Capital Digital”.
O parque sempre sofreu problemas na criação. Hora era uma disputa política com o IBAMA, que não aceitava que uma área do Parque Nacional de Brasília fosse destinada ao empreendimento, ou depois pela natureza jurídica dele. No final ainda teve uma rediscussão (aqui sim, imposta pelo então Governo Rollemberg) de também abrigar a área de biotecnologia no mesmo local destinado às empresas de Tecnologia da Informação, o que levou à mudança do nome para “Biotic” e mais uma zona de atrito.
Esse breve histórico é apenas para constatar um fato, agora negado pela atual direção do Biotic: o parque não funciona ou funciona de forma capenga. Não tem nada o que efetivamente mostrar como ganhos de Inovação para o Distrito Federal ou o país. Não se tem nem notícias do seu faturamento. Está convidado a abrir seu caixa para o público.
Na nota oficial endereçada ao blog, a direção da Biotic alega que não está enquadrada no edital do MCTI/Finep, por ser “o primeiro parque do Brasil a possuir um fundo de investimento imobiliário para desenvolvimento da sua infraestrutura”. Não era esse o modelo original do parque, mas a especulação imobiliária também acabou dificultando na época a sua criação. Mas é de se questionar por que o poder público tem de financiar obras de empresas interessadas em adquirir concessões de terrenos para a construção ou ampliação de seus laboratórios.
O Biotic se gaba de ter sido inclusive o promotor da decisão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) de ter mudado seus procedimentos legais para se transformar numa financiadora de ampliação de estabelecimentos industriais sob o manto da “Inovação”. Com recursos que deveriam ser canalizados para a ciência e novos projetos inovadores através do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Não é à toa que a Finep passou a bancar ampliação de fábricas como a da Positivo Informática ( no segundo Governo Lula) e agora a da fabricante de Armas Taurus. Este segundo financiamento foi estudado no Governo Bolsonaro e concluído nos primeiros meses do Governo Lula, sob os olhares complacentes da ministra/comunista, Luciana Santos (MCTI).
A nota da Biotic levanta ainda uma série de questionamentos por esse blog:
1 – Diz a nota oficial: “Dentro do pilar de animação do ecossistema e apoio às startups, contamos com recursos oriundos de parceiros”.
Pergunta: a) quem são? b) quanto tem disponível? c – quanto foi aplicado? d – porque não foi aplicado mais, com mais empresas?
2 – Outra vez a direção do Biotic se gaba de ter obtido R$ 10 milhões da Finep, FAP e ABDI para projetos inovadores e destaca o laboratório 5G da Huawei, além do CitDetran (Centro de inovação e tecnologia em trânsito), o BRB Lab; como os grandes projetos que sinalizam o sucesso deste parque tecnológico.
Para não alongar demais, este blog indaga quais foram os resultados cabais, que indicam que a “Inovação” trouxe resultados para a capital federal ou o país após o Governo do Distrito Federal apoiar esses empreendimentos. A direção do Biotic alega que somente o “lab” do Detran produziu “plataforma de atendimento digital por meio de aplicativo que disponibiliza mais de 20 serviços para o cidadão de Brasília de forma 100% on-line, diminuindo filas e agilizando as entregas”.
Fica a pergunta: digitalizar serviços públicos pode ser considerado efetivamente “inovação”?
Me socorro da resposta de uma das mentes mais brilhantes que o Brasil possui na área e que se fosse mais ouvido, certamente muita bobagem dita por aí não seria proferida por gente que tivesse um mínimo de bom senso, é claro. Vejam o que diz o cientista-chefe C.E.S.A.R e professor titular do Centro de Informática da UFPE, Silvio Meira, sobre essa questão. Foi numa entrevista que concedeu na semana passada ao portal Convergência Digital, quando participou do SECOP 2023, evento que reuniu as estatais de TI estaduais aqui em Brasília:
E já que estamos falando de pernambucanos ilustres da tecnologia, aqui vão algumas informações para a direção do Biotic. O “Porto Digital de Recife”, foi criado um ano depois do “Parque Tecnológico Capital Digital” (ano de 2000). E em 23 anos de existência já produziu os seguintes números oficiais:
1 – Faturamento: R$ 4,75 bilhões em 2022, um aumento de 29,08%.
2 – Capital humano: o parque pernambucano conta agora com 17.157 colaboradores – acumulando aumento de 81% entre 2018 e 2022.
3 – Empresas Embarcadas no Porto Digital: as que registraram maior crescimento em 2022 foram a Mesa, Serttel e Tempest. Já entre as que mais faturaram estão, em ordem alfabética, Accenture, Acqio, Avanade, Avantia, CESAR, EAD Uninassau, Globo Nordeste, Insole, Neurotech e Tempest.
4 – Empresas que mais empregam colaboradores: Accenture, Avanade, Avantia, CESAR, FITec, Neurotech, Pitang, Serttel, Speed+, Tempest e EAD Uninassau.
Registro ainda o parágrafo da nota oficial do Porto Digital datada de 16 de merço de 2023, no qual ele informa que: “A meta era que o Porto Digital chegasse em 2025 com cerca de 20 mil colaboradores distribuídos entre 500 e 600 empresas, atingindo faturamento de R$ 3,5 bilhões. Porém, o valor do faturamento já foi ultrapassado no ano passado, e o número de empresas e colaboradores já está bem próximo do número previsto somente para 2025. Com essa ampliação, o parque chega ao dobro do tamanho que tinha em 2018”.
Se tiverem alguma dúvida na avaliação do que está descrito acima, segue ilustração comparativa entre o “sucesso” dos dois parques, que é autoexplicativa:
Porto Digital – Recife (PE)
Parque Biotic – Brasília (DF)
*Para que ninguém da TI de Brasília se ofenda com o comparativo, este blog publica também outra imagem da maquete sobre o que será o Biotic. Sabe-se lá quando, já que tem de levar em conta um pequeno atraso de 24 anos:
Créditos das fotos:
Biotic – Helio Montferre/Sistema Fibra
Porto Digital (DCI)
Maquete Biotic: Agência Brasília.
Empresário Antônio Fábio: Correio Braziliense.