A Copa da Tecnologia

Por Jeovani Salomão* – Uma Copa do Mundo em novembro é inédita para mim, assim como a ausência daquele clima de Copa, que no meu caso ainda não aconteceu. Talvez seja porque não tenha ocorrido um jogo do Brasil, embora eu tenha comemorado a derrota da Argentina (não consigo conter minha torcida no futebol contra os “hermanos”).

Talvez seja porque o Qatar não combine com o evento. Uma monarquia absoluta repleta de controvérsias sociais, de preconceitos, contrária a liberdade de expressão e cuja escolha para ser sede, certamente, foi baseada em movimentos de bastidores (jeito bonito de dizer que muito provavelmente os representantes que votaram foram “influenciados” financeiramente).

Inegável, no entanto, que se trata de um dos países mais ricos do mundo e não se economizou quanto ao quesito investimento em tecnologia. Apenas as imagens dos estádios, das cidades, dos vestiários, de tudo o que se mostra, já são suficientes para transbordar um ar de futurismo. Também é uma prova de que tamanho não é documento, a extensão territorial do Emirado é apenas o dobro do Distrito Federal.

Dentro do campo, pelo menos duas inovações são significativas, a bola oficial, Al Rihla (A Jornada) possui um sensor de movimento, Adidas Suspension System, capaz de transmitir 500 informações por segundo, e a tecnologia de impedimento semiautomática, que se utiliza de um número enorme de câmeras dedicadas a mapear o campo, a bola e os jogadores, bem como de inteligência artificial para analisar, praticamente em tempo real, as situações de infração. Este avanço digital permite uma precisão incrível, capaz de trazer justiça a situações controversas, que ao longo da história, foram responsáveis por mudanças de resultados e, inclusive, por títulos trocados equivocadamente de mãos. Meu time do coração já foi beneficiado e prejudicado por erros humanos. O time rival sempre foi beneficiado….

Fora de campo, outras novidades interessantes. Há até um estádio completamente desmontável, feito com containers e estruturas de aço. A restrição de espaço físico, considerando uma nação tão diminuta, por certo estimulou a criatividade. Os demais estádios são equipados com equipamentos de última geração para refrigeração, capazes de manter a temperatura em 20º centígrados com um consumo de energia 40% menor do que modelos convencionais.

Sobre o aspecto da inclusão, importante ressaltar o uso de duas plataformas o Bonocle, usado para converter conteúdos digitais para Braile, permitindo o acesso de pessoas com deficiência visual e o Feelix Palm, um dispositivo-luva que por impulsos elétricos transmite mensagens em Braile. A evolução de tal tecnologia será utilizada maciçamente, em futuro breve, para acesso ao Metaverso.

Em matéria de vestíveis, dado que já comentamos da luva, uma camiseta está disponível no mundial, capaz de monitorar temperatura do corpo, batimento cardíaco, respiração e hidratação. O uso de drones também é intensivo, inclusive para criar nuvens artificiais, com a borrifação de um composto de gás hélio, por sobre os estádios, no intuito de amenizar o clima arrebatador do deserto.

Segundo o site anafisco.org.br, a respeito da cidade sede da Copa, temos algo realmente surpreendente: “A cidade sede dos jogos, Lusail, foi construída do zero, no meio do deserto do Qatar. Tudo nela foi milimetricamente pensado e ela conta com vários dispositivos inteligentes. Os turistas vão conferir: iluminação especial, sistema de resfriamento, sinalização de última geração, rotas bem planejadas, estacionamento subterrâneo, táxi aquático, ilha artificial, hotel flutuante e muito mais.”

No aspecto da segurança, existem mais de 15.000 câmeras monitorando o evento, centros de comando e controle, dispositivos para reconhecimento facial e algoritmos para identificar aglomerações e evitar atritos. Pelo menos isso é o que se divulga, considerando o padrão típico de repressão de regimes políticos autoritários, natural supor que o esquema seja bem maior.

Para a maioria, que como eu assiste a Copa remotamente, um aspecto tecnológico é marcante. Não se trata da qualidade da imagem ou do som, muito menos da narração ou dos comentários, refiro-me, especificamente à velocidade da transmissão escolhida. Caso você não tenha se atentado a isso, a TV aberta digital é pelo menos 3 segundos mais rápida do que qualquer opção. Sendo assim, se você estiver assistindo de outra forma, corre um sério risco de ouvir o grito de gol do vizinho antes mesmo do gol ter acontecido para você.  

Por fim, o mais importante, conforme o título do meu livro, o futuro é analógico, e nada melhor que este momento para ilustrar meu ponto. A competição pode estar recheada de tecnologia, de inovações, do digital, pouco importa. O que vale mesmo é torcer pela camisa verde-amarela. Como em Copas passadas, não há a garantia que a melhor seleção vença (sequer há critério absoluto para definir a priori quem é melhor!), zebras vão acontecer (Argentina e Alemanha que o digam!), personagens vão surgir, heróis irão brilhar. A emoção, o coração, o imponderável superam todo o resto. A comemoração com família e amigos, a alegria, o abraço, a tristeza (que não virá para nós este ano!!!) são a essência da Copa do Mundo de Futebol. Como deveria ser sempre, a tecnologia está a serviço para melhorar a experiência humana e nunca, jamais, como um fim em si própria.

*Jeovani Salmão é presidente da Memora Processos Inovadores, membro do conselho na Oraex Cloud Consulting e escritor do Livro “O Futuro é analógico”.