Tive o prazer e o privilégio de conhecer o então recém nomeado Secretário de Logística e Tecnologia da Informação, Rogério Santanna num evento do Serpro, quando ainda estava no Computerworld Online.
Parei diante dele em 2003, me apresentei e, antes que ele pudesse escapar, chapei uma pergunta bem direta: ” O senhor pretende fazer algum tipo de mudança em relação aos gastos que o governo tem com as empresas de informática?
O gauchão me olhou de lado, desconfiado se eu era de fato um jornalista ou algum lobista de empresa e soltou a bucha:
“Eu pretendo auditar todos os contratos de informática do governo. Farei o que for necessário para reduzir os gastos”, disparou.
Imediatamente pensei comigo mesmo: “Ou este cara está blefando alto, ou é um doido varrido”. Ninguém até então ousava mexer com os contratos do setor.
As empresas vinham do governo FHC e ganhavam rios de dinheiro. Alguns impérios cresceram justamente nos oito anos de Governo Fernando Henrique Cardoso, quando toda a TI federal foi desmantelada através de planos de demissões voluntárias, para abrir espaço às terceirizações.
Depois de terminar a entrevista, fui escrever para o CW. A editora na época, Ana Paula Lobo – que anos depois viria a ser minha sócia no portal Convergência Digital – quase caiu para trás: “Você tem certeza disso? Esse cara vai fazer uma revolução.”
Brinquei com ela: “Não se preocupe. Ele é gaúcho e de revolução eles entendem bem”.
Pois Rogério Santanna fez a prometida revolução. Até deixar a SLTI no ano passado, quando assumiu a presidência da Telebrás, criou algumas instruções normativas, que hoje regularizam as compras governamentais, exigem moralidade e punem quem tenta ‘pular o muro’. Teve no Tribunal de Contas da União o suporte necessário para implementar as mudanças, que ao longo do Governo Lula foram bastante significativas.
Somente nos dois primeiros anos da era Lula, com a decisão de Santanna – apoiada pelo TCU – de implementar o pregão eletrônico, as compras de bens e serviços da Administração Federal saltaram 500%.
A economia gerada somente em 2004 com as compras eletrônicas foi de 31,5%, em relação ao preço-base estimado pelo governo. Enquanto a expectativa inicial era gastar R$ 567 milhões em produtos (nos editais), os pregões jogaram esse preço para baixo: O governo terminou pagando apenas R$ 381,5 milhões. E essa economia em 2004 foi obtida com apenas 3.024 pregões eletrônicos realizados, contra os 11.257 pregões presenciais que ocorreram na mesma época.
Para vencer resistências, Santanna conseguiu de Lula um decreto em 2005, que tornou obrigatório o pregão eletrônico. A partir daí os números cresceram ainda mais. Já não tenho todos os dados, tantos anos se passaram e acabei perdendo algumas anotações. Mas ainda disponho de alguns que dão exemplo do sucesso da medida implementada por ele: Em 2005 os pregões geraram economia de R$ 637,8 milhões. Em 2006: R$ 1,6 bilhão. Já em 2008 esse volume saltou para R$ 3,2 bilhões.
Mais do que economizar, Santanna teve o mérito de democratrizar as compras. Abriu espaço para mais empresas fornecerem ao governo, alguns cartéis foram desbaratados, perderam seu espaço cativo. Micros e pequenas empresas também puderam participar das compras.
Enfim, O governo passou a ser mais criterioso nos gastos com TI. Isso resolveu todo o problema? Não.
O próprio TCU esta semana criticou a inoperância do governo federal para gerir o setor de TI. Sistemas críticos ainda correm riscos de apagões, colocando em risco o atendimento ao cidadão (leia reportagem Aqui). Mas Rogério Santanna mostrou que tudo é possível nessa área e seu exemplo tende a ser seguido pelos próximos secretários.
Ao longo desse tempo, idealizou uma rede nacional de banda larga, que pudesse não apenas atender às necessidades de segurança da rede federal (na época o governo tinha acabado de ser espionado num escândalo que envolveu a Brasil Telecom), mas que também ocupasse uma lacuna social onde as empresas de telefonia não chegavam: Internet para a população carente no interior do Brasil.
Foi com Rogério Santanna que começou a ser desenhado o Plano Nacional de Banda Larga. No início, o secretário praticamente pregava no deserto. Poucos ouviam sua proposta. Porém, com o crescimento da venda de computadores no programa “PC Conectado”, que na realidade pecava justamente pela falta de conectividade, Santanna passou a ser considerado e ouvido dentro do governo. Acabou ganhando o apoio do presidente Lula.
Só então foi que outros aventureiros apareceram e começaram a se interessar pelo programa. Agora passarão a tocá-lo como se fossem os “pais da idéia”, sem a incômoda presença de Rogério Santanna. Que durante o último ano, enquanto presidente da Telebrás, pecou por falar uma unica verdade: As empresas de telefonia nunca se interessaram em levar internet banda larga para os mais pobres. Mas agora serão as grandes “parceiras” do governo, num programa em que antes a regra central era: Se as teles não fizeram a universalização do acesso, o governo tem o dever social de fazer.
O discurso mudou, Rogério Santanna caiu e não verá seu ideal de país conectado concretizado. Não lhe deram nem a chance de inaugurar a primeira cidade que será iluminada pela rede do PNBL, fato que ocorrerá até o próximo mês. Está deixando o governo e a unica homenagem que recebeu do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo – a quem serviu sem nenhuma mácula no currículo durante cinco anos – foi a humilhante situação de ter sido informado pelo jornal O Globo que seria demitido.
Mas está saindo do governo como entrou, honesto em todos os sentidos, de cabeça erguida.
Santanna uso sempre para essas ocasiões uma unica frase. Dedico sempre para pessoas como você que deixaram governos, mas não deixaram governos corromperem os seus princípios.
* Foi proferida por Charles Maurice de Talleyrand, na França de Luiz XVI, mas resume toda a situação que você está vivendo dentro do partido que ajudou a construir:
“Na política, a traição é uma simples questão de datas”.