RNP: infraestrutura digital e menos burocracia fortalecerão a pesquisa no Brasil

O diretor-presidente da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Lisandro Granville, apresentou, em audiência na Câmara dos Deputados, um diagnóstico detalhado sobre os obstáculos que ainda comprometem o avanço da ciência, da tecnologia e da inovação no Brasil. A RNP – responsável por conectar universidades, institutos, hospitais de ensino e parques tecnológicos – destacou que o país precisa modernizar sua infraestrutura digital, reduzir a burocracia e harmonizar seus instrumentos jurídicos e financeiros para viabilizar um ecossistema científico mais eficiente e competitivo.

Criada no final dos anos 1980, a RNP teve papel decisivo, segundo ele, na chegada da internet ao país. Hoje, opera uma estrutura que conecta mais de 500 instituições de ensino e pesquisa, beneficiando 3,5 milhões de alunos, professores e pesquisadores, com velocidades que chegam a 100 gigabits por segundo — e planos de expansão para 800 Gbps.

O sistema é apoiado por 27 Pontos de Presença (PoPs) — a “RNP em cada estado” — e 50 redes comunitárias que levam conectividade a regiões mais remotas. A expansão das chamadas “infovias” é uma prioridade, com o objetivo de democratizar o acesso digital ao conhecimento científico, sobretudo em áreas onde a infraestrutura de telecomunicações ainda é insuficiente.

A RNP também integra a Global Research and Education Network (GREN), rede global de colaboração acadêmica e científica. No mapa mundial dessa conectividade, o dirigente destacou a desigualdade entre o norte e o sul global: “As conexões para ciência e tecnologia estão concentradas no hemisfério norte. Projetos como o Cabo BRICS são essenciais para reduzir essa assimetria e fortalecer a soberania digital do Brasil.”

Inovação nacional e segurança digital

Granville disse que a RNP vem desenvolvendo soluções que reforçam a autonomia tecnológica do país, como o Conferência Web (alternativa nacional ao Zoom), a Eduroam (rede internacional sem fio acadêmica), o Diploma Digital e o CAS, sistema que garante conectividade segura e autenticação de usuários. “Esses produtos nasceram de projetos financiados e desenvolvidos dentro da própria comunidade científica. Eles mostram que a inovação pode ser soberana e feita no Brasil, com segurança digital integrada”, afirmou o diretor-presidente da RNP.

Granville destacou que ainda existem entraves estruturais, como recursos dispersos, burocracia e falta de integração. Entre os principais obstáculos ao avanço da pesquisa científica, o diretor-presidente da RNP destacou quatro pontos críticos:

Ineficiência no uso e na distribuição de recursos.
O país carece de uma estratégia de articulação nacional. “Recursos se concentram em temas ou regiões específicas — como IA no eixo Sul-Sudeste — e se pulverizam no tempo. Isso limita a continuidade e a abrangência das pesquisas”, observou o dirigente.

Excesso de burocracia e controle formalista.
Pesquisadores gastam mais energia com prestação de contas e trâmites administrativos do que com a própria pesquisa. “Não existe flexibilidade para ajustes de rubrica ou reinvestimento de economias obtidas. O acompanhamento é focado no gasto, não no resultado”, criticou.

Falta de infraestrutura digital e desigualdade de acesso.
A ausência de conectividade de alta capacidade em regiões do interior impede a integração com redes internacionais e reduz a competitividade global da ciência brasileira.

Descompasso entre academia e mercado.
O modelo de avaliação acadêmica privilegia quantidade de publicações e não a transformação do conhecimento em produtos e serviços. “A academia ainda é vista como lenta e inflexível. Falta incentivo para que pesquisadores de excelência transformem descobertas em valor econômico”, apontou.

Crise na formação de pesquisadores e fuga de talentos

A executivo da RNP também alertou para a desvalorização do capital humano da ciência brasileira. O dirigente afirmou que as bolsas de pesquisa são pouco atrativas, especialmente em áreas tecnológicas, o que afasta jovens talentos. “É difícil convencer um aluno talentoso a seguir na pesquisa quando o mercado oferece melhores condições. O tempo para alcançar estabilidade na academia é muito maior”, afirmou Lisandro Granville. Ele ressaltou que a renovação geracional de cientistas é essencial para o futuro da pesquisa no país. E apresentou um conjunto de propostas para “destravar o sistema”:

  • Harmonização de instrumentos jurídicos e financeiros, reduzindo conflitos entre regras de órgãos federais e estaduais.
  • Criação de plataformas digitais unificadas para gestão e prestação de contas, substituindo sistemas fragmentados.
  • Planejamento plurianual de fomento à pesquisa, garantindo previsibilidade e continuidade.
  • Fortalecimento de infraestruturas compartilhadas, evitando a duplicação de esforços e ampliando o acesso equitativo à tecnologia.

Ao concluir, o representante da RNP ressaltou que infraestrutura de conectividade, governança digital e desburocratização são pilares inseparáveis do desenvolvimento científico. “A RNP nasceu para conectar o Brasil à internet. Agora, o desafio é conectar a ciência brasileira ao futuro – com autonomia, segurança e capacidade de competir globalmente. E isso só será possível se o país tratar a conectividade como parte estratégica da sua soberania científica e tecnológica”, concluiu.

Lisandro Granville participou de audiência pública nesta terça-feira (04) na Subcomissão Especial da Câmara dos Deputados, destinada a avaliar os “Impactos dos Entraves Burocráticos sobre a Atividade de Pesquisa Científica no Brasil”.