
Atualmente 60% dos dados produzidos no Brasil estão armazenados no exterior. Isso significa que, mesmo com uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, o país consome indiretamente energia fóssil — como carvão nos Estados Unidos — para processar informações de cidadãos, empresas e governos. O entrave não está na energia, mas na estrutura tributária e tarifária. A informação foi divulgada por Alessandro Lombardi, CEO da Elea Data Centers durante o workshop: “Horizonte Renovável: A era dos Data Centers no Brasil”, promovido pela Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica. Ele participou do Painel 1: “O papel dos Data Centers no processo de transformação digital”.
Esse problema da carga tributária elevada faz com que para importar servidores, CPUs e GPUs ao Brasil, isso custa até 52,7% a mais em impostos na alfândega. “Esse peso torna o Brasil um dos países mais caros do mundo para montar data centers, apesar de sua vantagem energética”, destacou Lombardi.
O Brasil tem um ativo estratégico raro no cenário global: a abundância de energia renovável. Com uma matriz elétrica majoritariamente verde, o país desponta como candidato a se tornar um dos maiores polos de data centers do mundo. Mas, apesar do potencial, enfrenta barreiras históricas e econômicas que travam a expansão dessa indústria considerada infraestrutura crítica para o futuro digital.
Uma novidade: a Elea já vem discutindo com as big techs a modulação da utilização dos data centers para reduzir a carga nos horários de pico. “Isso não era possível, mas nos Estados Unidos deve liberar 100 gigawatts de energia”. Para ele, o Brasil tem a oportunidade de estudar o setor do data center e como ele vai nascer na malha energética brasileira, já prevendo uma maior modulação nos horários de pico, com os centros de dados reduzindo o seu processamento nos horários de maior demanda energética, redistribuindo isso ao longo do dia.
A urgência da nuvem soberana
O CEO da Elea, parceiro do Serpro na nuvem soberana, diz que a dependência externa ganha contornos geopolíticos. Em tempos de disputa global por tecnologia, cresce a pressão para o Brasil desenvolver uma nuvem soberana, capaz de armazenar e processar dados críticos dentro do próprio território.
Projetos como o Redata, em tramitação no Congresso, buscam justamente remover barreiras tarifárias e facilitar a expansão da infraestrutura nacional. Se segundo ele, se aprovado, o efeito pode ser imediato: somente repatriar os dados hoje processados nos Estados Unidos — equivalentes a 1,5 gigawatt de consumo — significaria praticamente triplicar a capacidade atual dos data centers brasileiros.
Lombardi lembrou que a experiência internacional serve de guia. Na Alemanha, uma regulação semelhante obrigou que dados de alunos permanecessem dentro do país, o que levou a Microsoft a construir um grande data center em Frankfurt em 2012 — hoje um dos maiores polos digitais da Europa.
Desequilíbrio regional
O empresário também disse que há um problema de concentração do setor de data centers no país. Segundo ele, cerca de 80% da capacidade está em cidades como Barueri, Santana de Parnaíba e Campinas, em São Paulo, que sozinho responde por 60% de toda a infraestrutura da América Latina.
“Essa centralização penaliza empresas em outros estados, que pagam mais caro pelo transporte de dados e sofrem com maior latência. Especialistas defendem que o crescimento da indústria precisa ser descentralizado, alcançando o Sul, o Nordeste e a região Norte, onde já existem projetos de grande escala em estudo”, destacou.
De acordo com o CEO da Elea, apenas 0,01% da infraestrutura de inteligência artificial global está na América Latina: “ou seja, nada. Tudo que a gente usa de inteligência artificial vem de fora, não tem absolutamente nada daqui”, destacou Alessandro Lombardi. O país segundo ele precisa mudar essa realidade. “Para ter, ela tem que ter esses campos deste porte de um giga. Tem um projeto no sul, tem um projeto no Rio de Janeiro, tem um projeto no Ceará. Eu entendo que terão outros, porque o Brasil merece ter uma infraestrutura de inteligência para inteligência artificial também, não somente do cloud”, afirmou.
A revolução da IA
A corrida para a IA amplia ainda mais os desafios. Enquanto a computação em nuvem tradicional exige centenas de megawatts, os campos de IA podem demandar milhares de megawatts. Hoje, apenas 0,01% da infraestrutura global de inteligência artificial está na América Latina. Projetos de “giga data centers” — com capacidade superior a 1 GW — começam a surgir no Rio de Janeiro, Ceará e Sul do país.
Data centers como infraestrutura crítica
O debate já não é apenas econômico ou tecnológico. Casos como o incêndio recente em Porto Alegre, onde data centers mantiveram serviços públicos vitais em funcionamento, reforçam a visão de que essas estruturas devem ser tratadas como infraestrutura crítica nacional, assim como energia e telecomunicações. “Sem data center, não se opera hospital, governo ou comunicações”, alertou o empresário ao pedir que o governo avance em uma regulação específica.
Para o empresário o país precisa vencer esses entraves da carga tributária alta sobre os componentes de TI (hardware), importações, impostos federais e estaduais, além da burocracia, que acabam elevando o custo de capital consideravelmente.
Mesmo com energia limpa sendo uma vantagem, esse peso fiscal complica muito a competitividade, por exemplo, com os EUA, onde embora haja impostos e taxas, também há muitos incentivos que podem reduzir substancialmente o custo total do projeto. Especialmente em locais que competem fortemente por data centers, oferecendo isenções de impostos sobre equipamentos, energia, propriedade, etc.