A conta da dependência tecnológica do Brasil: R$ 23.001.418.740,04

Enquanto Brasília se prepara para receber amanhã (08) na Câmara dos Deputados, um evento que busca chamar a atenção dos brasileiros para a necessidade do país se tornar soberano na tecnologia, começa a circular nas redes sociais um estudo, que mostra por meio de um levantamento nos portais de compras o tamanho da dependência tecnológica que o setor público brasileiro tem na aquisição de bens e serviços de tecnologia estrangeiros. Pela primeira vez se tem um dado concreto para avaliar o quanto o país é frágil diante do poder das “big techs”, um fator preocupante para a discussão sobre a segurança nacional.

O estudo denominado “Contratos, Códigos e Controle – A Influência das Big Techs no Estado Brasileiro“, foi elaborado pelo Grupo de Estudos em Tecnologias e Inovações na Gestão Pública (GETIP/EACH/USP), vinculado ao Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas “Prof. Dr. José Renato de Campos Araújo” (OIPP/EACH/USP); e também pelo Grupo de Trabalho Estratégia, Dados e Soberania do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional (GEPSI Data), do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL-UnB).

“Estamos pagando, mês após mês, por sistemas que não controlamos, por tecnologias que não dominamos e por soluções que não pertencem ao nosso ecossistema de inovação”, destaca logo na abertura do estudo os autores: Ergon Cugler de Moraes Silva, Isabela Rocha, José Carlos Vaz, Julia Ribeiro de Almeida Veneziani e Camila de Camargo Modanez.

Os autores, inclusive, lembram que o valor de R$ 23 bilhões é apenas o valor nominal encontrado no cruzamento de dados dos portais Comprasnet (2014-2022) e PNCP (2023-2025), sem ter sido ajustado com base na inflação ou no custo do dólar, que normalmente serve de base para os reajustes destes bens e serviços de TICs.

E os autores são taxativos no diagnóstico: “Em vez de investir no fortalecimento da indústria nacional de software, na formação de mão de obra qualificada ou no desenvolvimento de soluções abertas e interoperáveis, o país opta por contratar produtos prontos, ofertados por grandes corporações estrangeiras, especialmente pelas chamadas Big Techs”, destacam.

Eles frisam que esse modelo não pode ser creditado a apenas um único governo. O estudo traz uma série histórica de como o processo de captura se deu no Estado brasileiro, desde que a opção pela adoção da tecnologia passou a ser condição primordial para a modernização do setor público. “As condições de subordinação, dependência tecnológica e as práticas que as sustentem tornaram-se naturalizadas. São aceitas pelos sucessivos governos, nos três níveis da federação, pelos três poderes, pela sociedade em geral. Fazem parte das estruturas mentais de boa parte dos técnicos e gestores públicos de tecnologia” afirmam.

Para os autores os números mostram que o controle da infraestrutura digital, dos dados e da lógica algorítmica controladora da informação no mundo, asseguram às big techs como, Microsoft, Meta, Apple Amazon e Google o papel de agentes econômicos e políticos “com capacidade de moldar padrões técnicos, definir normas de conduta e influenciar decisões estratégicas de governos”.

O estudo traz um levantamento das maiores contratações feitas pelo setor público nos últimos anos e os maiores fornecedores de tecnologia. Curiosamente não figura entre as empresas a Amazon Web Services (AWS) que tem grande penetração no governo. Os chineses também não estão listados entre os maiores fornecedores, embora no quesito redes de telecomunicações sua presença é fortíssima.

Na avaliação feita pelos autores, os valores encontrados em boa parte foram adquiridos por meio de revendas dessas grandes empresas de tecnologia. Entretanto, lentamente o governo vem mudando sua postura em relação às revendas, adotando um novo modelo de contratação diretamente com as big techs, que se encarregam de prover depois os melhores “parceiros” com quem o governo deverá trabalhar no desenvolvimento de novos aplicativos e sistemas.

Um modelo até agora não contestado pelas entidades representantes do setor de software, mas que poderá causar problemas futuros, enxugando o setor público e restringindo-o apenas para aqueles que forem “parceiros” das multinacionais. Quem não se enquadrar nesse modelo correrá o risco de estar fora desse mercado, porque as licitações estão sendo substituídas por contratações diretas, através dos serviços prestados diretamente pelas Big Techs, sob demanda.

Veja a íntegra do estudo aqui nesse link:

https://drive.google.com/file/d/1ReHlSvrbDZ1hFbA_mtqxFx1YNoIHr0WD/view