O Ministério das Comunicações realizou ontem (19) uma cerimônia de assinatura de “memorando de entendimento” com a empresa chinesa SpaceSail, que pode até render bons frutos comerciais daqui a alguns anos. Mas não resolve o atual impasse político que o governo se meteu, por exemplo, na conectividade das escolas da Amazônia. Se a ideia era dar uma resposta política ao empresário Elon Musk, de que o governo brasileiro não precisa da Starlink para levar internet de alta velocidade na região Norte, ou em áreas remotas do país, então ontem a “montanha pariu um rato”. Os chineses ainda não estão prontos para fazer frente ao poderio comercial da empresa norte-americana.
Isso somente ocorrerá num prazo otimista de dois anos. É claro que, em se tratando de chineses, esse prazo pode cair da noite para o dia. Mas no momento a China não pode ser tratada como “concorrente” da Starlink”, conforme noticiou erroneamente boa parte da imprensa brasileira acostumada a copiar “comunicados” de ministérios. Mas a empresa trabalha com o cronograma de possuir cerca de 15 mil satélites, em 1.500 km de altitude, utilizando as Bandas Q/V para comunicação e Ku para terminal. E os chineses ainda terão de procurar a Anatel para obter a autorização para exploração comercial de satélites de baixa órbita no Brasil. No acordo eles já sinalizam a criação de uma representação no Brasil.
No momento esse “memorando de entendimento” apenas é uma mera sinalização do interesse comercial do governo brasileiro pelos satélites de baixa órbita chineses, quando eles estiverem operando no espaço. Só que num prazo de dois anos o governo brasileiro poderá até ter mais concorrentes para escolher no mercado de satélites LEO (baixa órbita). Pois continuam avançando projetos como o “Kuiper” da Amazon, além da União Européia (IRIS²) e da Telesat com o governo canadense (Lightspeed), entre outros. Não justificará a escolha ou opção pelos satélites chineses, sem que haja uma concorrência pública pelo serviço.
Uma coisa que parece clara nesse momento no memorando assinado com os chineses é que o governo brasileiro parece estar mais interessado na compra de tecnologia, mascarada com o discurso da “soberania nacional”, do que na transferência desta tecnologia para o país. Há até uma sinalização nessa direção, mas tudo fica para ser discutido no futuro. Por hora, em troca de contratos com o governo para exploração do serviço a SpaceSail se compromete apenas a:
a) Identificar, dimensionar e quantificar em termos técnicos e econômicos as necessidades atuais e futuras da demanda por conectividade satelital no Brasil.
b) Projetar essas necessidades em um horizonte temporal de pelo menos quinze (15) anos.
c) Compartilhar experiências e conhecimentos sobre os mecanismos de governança e operacionais de infraestruturas espaciais e fazer recomendações sobre o quadro de governança ideal para a futura operação de capacidades espaciais compartilhadas.
d) Explorar a possibilidade de desenvolver um projeto para compartilhar novas infraestruturas espaciais que atendam às necessidades da República Federativa do Brasil e que garantam a independência e autonomia do Estado para o desenvolvimento de programas de políticas públicas voltados para a eliminação da divisão digital.
e) Explorar a possibilidade de desenvolver projetos de formação tecnológica e científica com universidades brasileiras para fornecer mão de obra especializada no país na área espacial.
Telebras
A estatal das telecomunicações brasileira que assina o memorando, continua enfrentando resistências dentro e fora do governo. Até agora o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, não tomou nenhuma atitude contra as operadoras móveis (Claro, Vivo, Tim e Algar Telecom), que continuam se recusando a assinar um contrato com a Telebras para fornecimento do serviço de satélites às escolas públicas da região Norte no programa “Aprender Conectado”. Esse programa é executado pela Entidade Administradora de Conectividade das Escolas (EACE), criada pela Anatel para executar a conexão das escolas com recursos do leilão do 5G (R$ 3,1 bilhões em caixa, sem correção).
Com o apoio velado da Anatel, as operadoras queriam que o dinheiro fosse destinado para pagar serviços de satélite no programa “Aprender Conectado” para a Starlink, do empresário Elon Musk. Até porque, a Vivo seria a maior interessada, já que tem acordo com a empresa norte-americana para revender o serviço no Brasil. Sem conseguir emplacar esse acordo no governo, as operadoras passaram a atrapalhar qualquer possibilidade de assinatura de contrato com a Telebras. Elas inclusive pediram para sair da EACE, mas a Anatel decidiu “adiar” para março uma decisão.
A confusão política criada por Elon Musk com o Brasil nos últimos meses tornou qualquer acordo da Starlink com o governo brasileiro um sonho distante. Ainda mais depois que a primeira-dama, Janja Lula da Silva, atacou Musk durante o G20, criando o primeiro embaraço diplomático contra um futuro integrante do Governo Donald Trump que começa em janeiro.
O bilionário irá chefiar o “Departamento de Eficiência Governamental” ao lado do empresário norte-americano Vivek Ramaswamy, cargo que equivale a de um ministro de Estado no Brasil. Sem uma solução desse impasse político nessa entidade, a conectividade das escolas na Amazônia tende a continuar no campo das boas intenções.
Lobby de resultados
O memorando assinado entre o Ministério das Comunicações e a empresa SpaceSail foi mais uma ação de sucesso da “Sete Partners“, empresa que tem entre seus sócios Eduardo Skaf, filho do ex-presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e se autodenomina ““uma holding brasileira de investimentos e consultoria financeira independente, com foco nos mercados da China e do Oriente Médio“. Na imprensa é apontada como intermediária de vários negócios entre a China e o Brasil.
Mas ao contrário da versão da imprensa em geral, a assinatura desse “memorando de entendimentos” não ocorreu apenas por inspiração do ministro Juscelino Filho, após viagem que fez à China, para visitar essa e outras empresas, além de entidades governamentais chinesas.
É fato que Juscelino esteve na sede da SpaceSail na cidade de Xangai, encontro que contou com a presença o presidente da Telebras, Frederico de Siqueira Filho, do secretário de Telecomunicações, Hermano Barros Tercius e o Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais, Jeferson Fued Nacif. Mas essa reunião, que teve a participação do empresário Eduardo Skaf, somente ocorreu em outubro.
A SpaceSail e Skaf foram encaminhados para Juscelino pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, que esteve com eles no dia 20 de agosto. Somente depois desse primeiro contato com vice-presidente e ministro do Desenvovimento, foi que a empresa chinesa pode abrir as portas para receber a visita de Juscelino Filho em Xangai. Encontro que resultou agora na assinatura do “memorando de entendimentos”.
*Que não envolve neste momento o uso de dinheiro público, mas posiciona estrategicamente os chineses para futuros acordos comerciais na área de serviços de conectividade por satélite.