Intersecções interessantes da LGPD com o direito trabalhista e consumerista

Por Antonielle Freitas e Jessica Rocha* – O presente artigo aborda a interação entre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o direito trabalhista e consumerista. É importante destacar que a LGPD não foi a primeira lei a prever direitos aos titulares de dados pessoais no Brasil, tendo sido precedida por outras leis importantes como o Marco Civil da Internet, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Cadastro Positivo e a Lei Carolina Dieckmann. Como a LGPD é uma lei “Geral”, suas previsões estão sujeitas à compatibilização com outras legislações e seus princípios.

O artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor já previa o direito de acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre o consumidor, assim como suas fontes. O princípio da transparência, garantindo informações claras, precisas e facilmente acessíveis, e o princípio da qualidade dos dados, zelando pela exatidão e clareza, também são abordados neste artigo. É importante ressaltar que o requerimento de correção dos dados deve ser atendido em até cinco dias úteis, conforme o artigo 43, §3° do CDC.

A Lei nº 12.414/2011, que dispõe sobre o cadastro positivo de crédito, traz previsões importantes relacionadas à venda a prazo. O consumidor tem direito a receber informações claras e objetivas sobre os critérios utilizados para análise de crédito e formação do histórico de crédito. A LGPD complementa essa linha de raciocínio, permitindo que o consumidor acesse seus dados pessoais a qualquer momento e solicite sua exclusão ou correção. É importante observar os diferentes prazos para o fornecimento de declaração entre as leis, sendo de 15 dias para a LGPD e de apenas 10 dias para a Lei nº 12.414/2011.

Tanto a Lei nº 12.414/2011 quanto a LGPD determinam que o tratamento de dados pessoais seja feito de forma transparente, respeitando a privacidade dos indivíduos e garantindo que os dados sejam coletados e utilizados apenas para fins legítimos. Ambas também estabelecem o direito do titular dos dados de acesso às informações coletadas e a possibilidade de correção e exclusão de informações incorretas ou desatualizadas. O uso de informações de crédito deve ser feito apenas para finalidades legítimas, como a verificação de crédito para concessão de empréstimos ou financiamentos, sendo proibido para outros fins, como marketing ou publicidade. Esta regra é abordada tanto pela LGPD quanto pela Lei nº 12.414/2011.

No que se refere à intersecção da LGPD com o direito trabalhista, uma das principais questões diz respeito ao tratamento dos dados pessoais dos empregados pelas empresas. Nesse sentido, a LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais no âmbito trabalhista deve observar a necessidade e a adequação para o cumprimento de obrigações legais e regulatórias, bem como para a execução de contratos de trabalho (art. 7º, V, LGPD). Além disso, a lei prevê que as empresas devem adotar medidas para garantir a segurança dos dados pessoais dos empregados, protegendo-os contra acessos não autorizados e situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão (art. 46, LGPD).

Outra questão importante no âmbito trabalhista diz respeito ao consentimento para o tratamento de dados pessoais dos empregados. A LGPD estabelece que o consentimento é uma das bases legais para o tratamento de dados pessoais, mas somente será válido quando dado de forma livre, informada e inequívoca pelo titular dos dados (art. 7º, I, LGPD). No contexto trabalhista, o consentimento pode ser considerado inválido ou viciado quando o empregado é obrigado a consentir para manter seu emprego ou para exercer seus direitos trabalhistas, o que pode configurar uma violação aos princípios da liberdade e da igualdade.

Além disso, a LGPD estabelece que os empregados têm direito ao acesso aos seus dados pessoais, bem como à correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados, e à exclusão de dados desnecessários ou excessivos (art. 18, LGPD). Nesse sentido, as empresas devem manter um canal de comunicação acessível e efetivo para que os empregados possam exercer seus direitos em relação aos seus dados pessoais.

Por fim, é importante destacar que nesta interação, há princípios da LGPD que incidem fortemente sobre o direito trabalhista, como o princípio da finalidade, que estabelece que o tratamento de dados pessoais deve ter uma finalidade específica, explícita e legítima, e o princípio da segurança, que determina que as empresas devem adotar medidas para garantir a segurança dos dados pessoais dos empregados. Nesse sentido, a interação entre a LGPD e o direito trabalhista é fundamental para garantir a proteção dos direitos dos empregados em relação aos seus dados pessoais.

Em suma, a intersecção da LGPD com o direito trabalhista e consumerista é de extrema relevância para garantir a proteção dos direitos dos titulares de dados pessoais, sejam eles consumidores ou empregados. A compatibilização entre as diferentes legislações e suas bases principiológicas é fundamental para garantir a segurança e a transparência no tratamento de dados pessoais, bem como para evitar abusos e violações aos direitos fundamentais.

*Antonielle FreitasDPO (Data Protection Officer) do escritório Viseu Advogados; Membro da Comissão Especial de Privacidade e Proteção de Dados da OAB/SP.

*Jessica Rocha – Advogada | CIPM (IAPP) | Mestranda (UFMG) | Privacy & Data Protection | Viseu Advogados