Por Tiago Brasileiro* – O anseio acerca da necessidade de uma reforma tributária é crescente e ela é tratada como o maior instrumento disponível para favorecer a atividade econômica. No entanto, nas propostas de emenda constitucional em debate há muito mais riscos do que soluções.
O consenso em favor da reforma tem dois principais motivadores. Primeiro, a insatisfação com a elevada carga tributária. E, além disso, a constatação de que temos um sistema tributário complexo, obscuro e que onera a cadeia econômica, especialmente em função de cumulatividade dos tributos sobre o consumo.
Quanto ao peso da carga tributária, a proposta de reforma não traz nenhuma expectativa de melhoria para os contribuintes, pois não há disposição do governo para uma redução global de tributos. O que se pretende é a realocação da tributação, com redução da carga para indústria, e aumento para o setor de serviços. Contudo, há enorme risco de uma mudança sem a clara intenção de aumento de carga tributária ter esse resultado. Isso já aconteceu antes, como na introdução do Pis e da Cofins não cumulativos, que visava apenas a eliminar a cumulatividade na cadeia, mas multiplicou a arrecadação desses tributos.
A proposta de alíquota única ou de poucas alíquotas é também altamente perigosa. Hoje temos uma razoável estabilidade na carga tributária suportada por cada setor e atividade, que acabaria diante de uma mudança tão drástica de tributação, atingindo todos os produtos, serviços e setores. A alíquota única é um equívoco e, se prevalecer, trará distorções sérias ao impor peso tributário igual ou similar para produtos e serviços os mais diversos, e por inviabilizar a utilização de incentivos fiscais como meio de políticas públicas legítimas.
Por outro lado, está longe de ser um consenso que a tributação do setor de serviços deve ser aumentada em favor da indústria.
A grande expectativa reside, portanto, na promessa de simplificação do sistema. No entanto, esse resultado parece distante. A sociedade tem uma percepção de que a complexidade e obscuridade do sistema tributário decorrem de imperfeições legislativas, mas existem problemas históricos e práticos mais graves.
A enorme litigiosidade tributária no Brasil causa grave instabilidade na interpretação das normas e extrapola níveis razoáveis, com contribuintes e fazendas públicas insistindo em infindáveis discussões, resolvidas lentamente pelo Judiciário. A estabilidade na interpretação dos tributos ocorre décadas após terem sido instituídos.
É, portanto, um contrassenso considerar que uma mudança legislativa de enormes proporções trará, no curto ou médio prazo, simplificação. A mudança tributária, por si só, tem no Brasil um enorme potencial de geração de novos conflitos e mais insegurança. A proposta de extinção de vários tributos e a sua substituição por um novo tende a descartar a jurisprudência, resultado de décadas de litígios tributários, para uma nova construção de entendimentos pelo Judiciário.
A necessidade de correção das distorções causadas pela não-cumulatividade dos tributos sobre o consumo é um objetivo essencial. Mas temos resquícios de cumulatividade nos nossos tributos sobre o consumo por consequência de interpretações equivocadas dos fiscos estaduais e federal ao longo de décadas, que não foram corrigidas pelo Judiciário, apesar das claras determinações constitucionais pela não-cumulatividade.
Se a pauta é criar condições mais favoráveis para a atividade econômica, é fundamental que haja clareza na interpretação das normas e que a não-cumulatividade seja plena, com créditos integrais para os contribuintes e monetização efetiva e rápida para todos os que tiverem acúmulo de créditos.
A desoneração da cadeia econômica depende da rápida monetização dos créditos eventualmente acumulados. Esse é o mais grave problema na realidade tributária brasileira, seja porque existem limitadas hipóteses de monetização de créditos, seja porque as previsões existentes não são efetivamente respeitadas pelas fazendas públicas.
As PECs 45 e 110 tem bom potencial para contribuir com a não cumulatividade, mas introduzem um tributo novo, com potencial de gerar novos conflitos interpretativos extremamente danosos. Isso sem falar que a previsão é de uma extensa transição, período em que as empresas não terão nenhum ganho de simplificação na apuração fiscal e, ao contrário, terão mais um novo e relevante tributo para ser atendido.
Portanto, uma análise pragmática nos leva a concluir que a sociedade precisa nesse momento é de ajustes nas distorções geradas pela não-cumulatividade, muito mais do que uma revolução de todo o sistema tributário nacional. Alterações legais, sem a necessidade de qualquer emenda constitucional, poderiam garantir o crédito pleno para os atuais tributos sobre o consumo e mecanismos de efetiva monetização de créditos acumulados.
O resultado disso seria muito mais relevante que as PECs 45 ou 110, com a vantagem de não trazer novos tributos, novas dúvidas interpretativas e a necessidade de novos investimentos em tecnologia, treinamentos e consultorias.
* Tiago Brasileiro é Advogado tributarista e sócio do Martinelli Advogados