Por Francisco Borges* – Até o final do século XX, no Brasil, as instituições de educação privadas, que vamos denominar IES (Instituições de Ensino Superior: Faculdades, Centros Universitários e Universidades) eram todas denominadas e estruturadas como sendo sem fins lucrativos, seguindo a tradição católica de que educação não podia se misturar com lucro.
Assim, grandes investidores do século passado como João Carlos Di Genio (Grupo Objetivo e UNIP), Família Uchoa (Grupo Estácio de Sá) e, outros poucos com visibilidade e atuação muito regional, se estabeleceram da seguinte forma: a instituição tinha que ofertar ao menos 20% das vagas com bolsas e o resultado anual deveria mostrar lucro pequeno, apenas para reinvestimento em atualizações e manutenção.
Desta forma, as IES pagavam aluguéis para os seus mantenedores, que além de empresários eram os donos dos prédios onde estavam instaladas. Geralmente, os familiares do dono eram os líderes de departamentos e todos eram remunerados. Ou seja, a IES não dava lucro, mas a família obtinha evolução econômica, por assim dizer.
A partir de 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, e seguindo o mesmo rumo no governo Lula, surgiram oportunidades para o setor privado investir no ensino superior, um mercado regulado onde a abertura de Faculdades, Centros Universitários e Universidades — os únicos três tipos de “escolas” que podem atuar no setor — é feita a partir de uma concessão dada pelo Ministério da Educação depois de um processo de análise documental e avaliação de condições mínimas de operação.
Isso se deu desde a proposta que transformava todas as IES em instituições com fins lucrativos e, no contrato social, os mantenedores se valeriam de recursos decorrentes de políticas públicas, até o nascimento, em 2004, do Programa de Acesso ao Ensino Superior — foi estabelecido o PROUNI, que tem como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de cursos de graduação e de cursos sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior.
Assim os investidores passaram a olhar para o setor de outra forma, pois perceberam que não seria vergonhoso obter lucro na formação de cidadãos no ensino superior, ocorrendo assim a virada de chave para a profissionalização dos executivos deste segmento. Todo esse movimento trouxe o ensino superior para um patamar de um dos setores de serviço de maior interesse dos investidores.
Saímos de centenas para mais de 2,6 mil IES, saltamos de 350 mil alunos, para mais de 8,6 milhões de brasileiros estudando no ensino superior. Assim, se estabelece uma nova onda na educação superior, que é a chegada de outsiders preparados com muita tecnologia e com muito apetite financeiro.
A discussão atual dos velhos grupos estabelecidos agora é a de criar uma nova modalidade, denominada híbrida, que nada mais é o tom de cinza entre o presencial e o EaD. Mas o que de fato deveria pautar o debate é quais são as carreiras que devem ter mais presencialidade; quais podem ser por natureza mais remotas e digitais; quais recursos tecnológicos substituem os tradicionais; fortalecendo a evolução tecnológica do setor, e assim por diante.
Grupos financeiros como XP, BTG Pactual e muitas outras plataformas de ensino especializadas em atendimento educacional em massa, com recursos tecnológicos de ponta, entenderam as demandas produtivas atuais e estão se posicionando com grande apetite. Não vão sequer discutir modelo híbrido e nem perguntar se o aluno quer se deslocar, mas vão chegar onde o aluno está e estão dispostos até a não cobrar mensalidades durante a graduação e sim ser uma espécie de sócio do graduado durante alguns anos.
É um setor que vai se valer da velocidade da tecnologia para dar acesso ao conteúdo e construir saber conjunto e relacionamento com o aluno. A pergunta original era, o aluno é nosso produto ou nosso cliente? Esta pergunta já está defasada e sem alternativa correta, o aluno hoje é nosso sócio.
*Francisco Borges é mestre em Política Pública de Ensino e consultor da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT).