Desde setembro cientistas têm feito diversas manifestações contra o Ministério da Economia, inconformados com um questionável corte de R$ 650 milhões no FNDCT – Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O alvo principal das manifestações tem sido o ministro Paulo Guedes que, sem saber, está “financiando” indiretamente esses ataques.
O corte é questionável porque não atingiu o funcionamento do CNPq, por exemplo, que concede bolsas para os cientistas brasileiros, tanto para estudos no Brasil, quanto no exterior. E isso foi dito pelo próprio presidente do CNPq, Evaldo Vilela, numa “live”; que justamente serviu para os cientistas condenarem junto à sua bancada parlamentar no Congresso o remanejamento feito pelo Ministério da Economia.
Os cientistas têm todo o direito de protestar contra eventuais cortes no setor. Porém também é questionável que briguem por mais verbas federais e ao mesmo tempo não gastem a totalidade do que tem em caixa e ainda apliquem recursos públicos numa “coalizão de entidades” com o objetivo de fazer lobby no Congresso.
Essa “coalizão” está pagando o ex-ministro e ex-deputado federal, Celso Pansera, para atuar como lobista no Congresso Nacional em diversas demandas e projetos, além de articular tais movimentos contra o Ministério da Economia.
A Coalizão ICTP.br
A ICTP.br – “Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento” foi lançada publicamente no dia 8 de maio de 2019
para defender os interesses do setor em Brasília. O movimento foi capitaneado pelas duas mais importantes entidades do meio acadêmico/científico: a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência (ABC). Não tem CNPJ, não tem sala, nem pessoal contratado (ainda). No entanto, no campo das boas intenções já funciona com o amparo logístico da SBPC, que lhe cede um espaço em seu escritório de Brasília.
“A intenção é reunir todos os setores da comunidade científica para termos uma presença permanente dentro do Congresso, para levarmos aos deputados e senadores os pontos prioritários para promover políticas que promovam o desenvolvimento desse setor”, defendeu na época o então presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, um dos “pais da ideia”.
“Temos grande potencialidades que estão sendo desperdiçadas por inércia de governos. E chegamos agora na morte da ciência do Brasil com essa depauperação de recursos”, já dizia na época, por sua vez, o presidente da ABC, Luiz Davidovich, que continua no comando da entidade.
A Coalizão ICTP.br, neste aspecto, não difere, por exemplo, com a “Coalizão Direitos na Rede”, formada por diversas entidades da Sociedade Civil e luta pelos direitos dos usuários na Internet. Mas as semelhanças e princípios param por aí. A Coalizão Direitos na Rede não é bancada financeiramente pelo Ministério das Comunicações para cumprir o papel que se propõe.
Nem tampouco difere de uma “Frente Parlamentar” que costumeiramente é criada por algum setor econômico para defender os seus interesses no Congresso Nacional. E não depende também de recursos orçamentários e não se tem notícias concretas, de que parlamentares ganhem dinheiro “por fora” de seus salários para representá-los.
Já a ICTP.br nasceu pendurada no Orçamento da União. Em 2019 o senador Marcelo Castro chegou a pleitear um orçamento de R$ 30 milhões para a SBPC apenas para financiar a nova iniciativa. Mas a entidade acabou levando só R$ 1,8 milhão além do seu orçamento tradicional, ficando com uma verba total na casa dos R$ 6 milhões, após um remanejamento de recursos feito pelo relator da Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional (CMO). A ICTP.br ganhou no orçamento de 2020 destinado à SBPC os R$ 1.801.508,00; graças a uma emenda elaborada pelo “Comissão Senado do Futuro”.
Há ainda uma indagação à fazer: já existe uma “Frente Parlamentar Mista de Ciência e Tecnologia no Congresso Nacional”, criada para defender, de graça, os interesses da área no Legislativo. Ela é comandada pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF). Então para quê uma nova entidade foi criada, solicitando R$ 30 milhões do Orçamento da União destinado ao MCTI (que acabou levando apenas R$ 1,8 milhão), para fazer o mesmo trabalho?
O dinheiro já foi repassado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para a SBPC, segundo consta o empenho na execução orçamentária do ministério informada pela CMO. Mas não se sabe quanto a SBPC já repassou para a nova entidade. Ela não informa.
A ICTP.br foi procurada pelo blog para explicar a sua constituição, o recebimento desses recursos e que atividades já foram realizadas que comprovariam o gasto. Na primeira tentativa veio a seguinte resposta:
Este blog voltou a procurar a entidade para que explicasse como a ICTP.br podia operar sem CNPJ, endereço físico e nem funcionários, apesar de receber recursos do orçamento da SBPC para isso, que é dinheiro público, triangulado pelo MCTI? A mesma funcionária retornou com a resposta de que “não há nenhum tipo de contribuição financeira por parte das entidades citadas”.
A própria Jéssica Mattos é um mistério que só a Ciência poderia desvendar, já que trabalha de graça para uma entidade que só existe na Internet, cujo domínio da página, segundo o Nic.br é dela:
A informação da “funcionária” não condiz com a execução orçamentária do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e nem tampouco com a própria página oficial desta entidade, na qual é afirmado que a ICTP.br seria custeada pelas entidades do setor de Ciência e Tecnologia e suas receitas viriam de:
A entidade não se comunicou mais com o blog, mesmo depois de ter sido lembrada que constava no Orçamento da União o repasse de R$ 1,8 milhão feito pela SBPC.
De ministro a lobista
O ex-ministro da Ciência e Tecnologia no apagar das luzes do Governo Dilma Rousseff, e ex-deputado Federal, Celso Pansera, vem atuando como lobista para o setor com o cargo de secretário-executivo da ICTP.br. Até então, não se sabia que ele estaria recebendo recursos da SBPC (em nome de todas as demais entidades que formam a coalizão) para realizar o serviço de “articulação parlamentar”.
Mas a sua presença acabou chamando a atenção desse blog, pela maneira como Pansera passou a liderar os movimentos e por ter dado notoriedade para a nova entidade que comanda, como se porta-voz fosse da SBPC e da ABC, além de outras entidades, no parlamento. Pansera era deputado do MDB no Governo Dilma e ligado ao ex-deputado Eduardo Cunha. Como está agora filiado ao PT, isso certamente o dificulta de ter acesso ao atual governo. Mas já é dado como certo de que irá disputar novamente uma vaga de deputado federal pelo Rio de Janeiro.
No parlamento ele aparentemente transita bem e tem conseguido apoios de deputados e senadores identificados com a Ciência e Tecnologia de todos os partidos políticos. Lá já conseguiu a realização de audiências públicas para falar dos cortes no FNDCT, eventos em que o ministro Paulo Guedes nunca é poupado, enquanto que Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia e Inovações já chegou a ser idolatrado por parlamentares do PDT e do PSB.
Procurada para falar quanto o ex-ministro já recebeu como secretário-executivo da ICTP.br e como prestou contas dos gastos que teve com o serviço, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência não retornou os pedidos de informações.
A SBPC tem omitido na sua página de transparência na Internet todos os balanços financeiros desde 2018. Quando solicitada a fornecê-los apenas respondeu que iria “providenciar”. Porém, após uma semana de espera pelos documentos nada aconteceu, mesmo sabendo que data de publicação desta matéria seria nesta sexta-feira (29). Nenhum novo contato foi feito de lá para cá.
Maricá
Celso Pansera tem cargo público na Prefeitura de Maricá (RJ), onde atua como presidente do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTIM – sic). Ele não precisaria necessariamente atuar como lobista no Congresso Nacional pago pela SBPC. Seu salário é de R$ 17 mil.
Futuro da SBPC
O novo presidente da SBPC, o filósofo e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, eleito em junho deste ano, tem pela frente um problema para resolver internamente, e que não foi ele quem criou. Desde que assumiu, Janine tem que dividir espaço com o ex-presidente, Ildeu de Castro Moreira, sempre lembrado por Celso Pansera para participar das manifestações pela defesa da Ciência e promotor da coalizão. A pauta é sempre a mesma: atacar o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Mas como pleitear recursos para o setor no Ministério da Economia, quando a entidade que dirige ataca o titular da pasta que libera os recursos quase que semanalmente?
Paulo Guedes já acusou o golpe em relação aos ataques que sofreu e num encontro com parlamentares ocorrido esta semana não poupou críticas ao ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, o astronauta Marcos Pontes. Além de chamar Pontes de burro, se queixou aos parlamentares que o titular do MCTI não apresenta projetos em tempo hábil para a garantia dos recursos orçamentários. E disse estar disposto a liberar recursos para que não seja comprometido nenhum projeto em andamento ou editais na praça, como o do CNPq.
Mas como o setor foi ‘capturado’ por Marcos Pontes com a liberação de recursos, a cúpula dessas entidades fornece para o ministro a blindagem necessária contra eventuais ataques dos cientistas. A vassalagem ao ministro ocorre desde os tempos da transição de governos Temer/Bolsonaro.
Só que o astronauta está em queda livre no governo, já entrou para o processo de fritura no Palácio do Planalto, principalmente depois que viajou para Dubai por 17 dias, deixando toda a confusão para Paulo Guedes administrar sozinho. Indaga-se para as entidades de C&T: vão continuar abraçados no astronauta até ele se espatifar no solo?