Por Jeovani Salomão* – Antes de me graduar em bacharelado em Matemática, concluí o curso de licenciatura na mesma disciplina. Em função desta escolha, tive a possibilidade de percorrer algumas disciplinas dos departamentos de psicologia e pedagogia. O convívio em si já fora uma experiência notável, diferente do meu cotidiano, cuja tônica era focada naquilo que era exato. As teorias matemáticas são sólidas, demonstráveis, constantes e, mesmo aos olhos daqueles com mais desenvoltura, muitas vezes extremamente complexas.
O mundo da psicologia e da pedagogia é completamente distinto, a complexidade advém da natureza humana, mas os conceitos são mais fluidos, qualitativos, por vezes quase experimentais. Não há como se provar que qualquer teoria realmente funcione ou refutar uma outra qualquer. A observação é uma arma poderosa, assim como a análise de testes bem elaborados, porém, mesmo com estes elementos, nada pode garantir que uma teoria seja absoluta, como conseguimos fazer com as fórmulas e equações.
Deste tempo, lembro-me bem de duas figuras que, durante muito tempo, foram meus psicólogos favoritos, Piaget e Vygotsky, os quais, a propósito, tinham alguns conceitos que se conflitavam entre si. O primeiro é o maior expoente do construtivismo, mas seu alcance vai muito além. Por exemplo, o conceito de esquema tem um alcance bastante amplo, influenciando, inclusive, o desenvolvimento da Neurolinguística, embora eu nunca tenha visto nenhum teórico defender esta ideia. O segundo, por sua vez, acreditava no poder das interações sociais como fator para o desenvolvimento cognitivo. Ele criou o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP, no qual é defendida a ideia de que a criança é capaz de realizar sozinha determinadas atividades e outras com a ajuda de colegas ou de um professor. Justamente estas atividades, realizadas com apoio de um terceiro, caracterizam a zona de aprendizado potencial ou, conforme o termo cunhado, ZDP.
O aspecto mais comentado da tese sempre foi a diferença entre aquilo que já é de domínio do indivíduo e qual o espaço potencial. Para mim, o mais importante sempre foi compreender que é necessário cuidar das bases, dos requisitos, que são necessários para o próximo passo. Não é possível, por exemplo, aprender de fato a multiplicar números sem que se tenha consolidado os conceitos de somar. Quando se avança para o mais complexo sem que o mais simples esteja assimilado, a ZDP é desrespeitada e então a assimilação do novo não ocorre adequadamente.
Este foi um dos fatores que não permitiu as primeiras tentativas do metaverso decolar. Para quem não é familiar com o termo, ele tem sido usado como um sucessor da Internet. Para mim, o que melhor caracteriza o conceito é a forma de interação do usuário com a rede. No metaverso ela é feita por meio de avatares. A palavra avatar vem do hinduísmo, sendo utilizada para a materialização de um ser imortal e poderoso na terra. Quando se trata da internet, é a personificação virtual do usuário, sua autoimagem na rede.
A primeira tentativa global da introdução da ideia foi por intermédio do Second Life em 2003, um universo virtual em 3D. Várias empresas fizeram investimentos milionários para colocar seus negócios neste mundo novo, mas as tentativas foram fracassadas. As bases ainda não estavam construídas, a ZPD foi desrespeitada. Evidentemente, este não foi o único problema, havia questões de velocidade de conexão e de dispositivos de imersão mais adequados, como óculos de realidade virtual.
Em 2020, como decorrência da pandemia, o projeto do Second Life ganhou alguma sobrevida, mas ainda não será a plataforma que atrairá milhões para o metaverso. Esta disputa deve ser travada pelas redes sociais – um dos requisitos de interação essencial para que não se ultrapasse a ZDP – e, neste caso, o Facebook saiu na frente e já fez o anúncio que irá revolucionar suas plataformas em 5 anos e, com isto, assumir a liderança da nova Internet.
Um elemento essencial para sucesso de iniciativas desta natureza é o compartilhamento dos sentidos. O universo virtual será tão melhor quanto o nível de sensores e dispositivos capazes de transmitir as sensações do avatar para o ser humano que o comanda. A visão e a audição serão os primeiros a serem resolvidos, portanto, reuniões entre avatares serão comuns rapidamente. Em seguida, provavelmente, virão as questões do olfato (para quem acha isso distante vá aos parques da Disney) e o do tato. A propósito, o tato será o grande divisor de águas. Quando o avatar puder transmitir as sensações de contato, teremos uma vontade predominante de adesão na maioria da população e que apenas será limitada pelo preço dos aparatos.
A mudança para este novo mundo requereria não apenas o investimento das bigtechs, mas um profundo debate envolvendo psicólogos, pedagogos, filósofos e sociólogos. A propósito, meus citados prediletos, Piaget e Vygotsky, perderam sua posição mais alta no pódio apenas quando um determinado psicólogo resolveu se destacar a ponto de ganhar um prêmio Nobel de economia. Ao contrário de estudar o desenvolvimento humano, Kahneman dedicou-se a compreender como a ciência cognitiva explica as decisões que tomamos, em particular, na área econômica e de riscos.
Se já tivéssemos clones virtuais, não haveria momento mais adequado para colocar estes gigantes para debater sobre o metaverso e suas consequências na sociedade. Evidentemente, Bauman, com suas teorias sobre a sociedade líquida, não poderia ficar de fora. Como não existem, o melhor que podemos fazer é nos preparar para a avalanche virtual que vai nos encontrar e que está chegando em aceleração exponencial.
*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA, Membro do conselho na Oraex Cloud Consulting, ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional e escritor do Livro “O Futuro é analógico”.