Por Jeovani Salomão* – Tenho muitos amigos que adoram viajar de carro. Apreciam a paisagem, gostam da flexibilidade de poder parar a hora que quiser, chegar no seu destino e ter um veículo ao seu dispor. Não é o meu caso, prefiro pegar um avião. Dentre os apaixonados por estas aventuras, há algumas anedotas sobre o trajeto, particularmente, associei uma delas a algo ocorrido na semana que passou em um dos grupos de WhatsApp de uma das empresas que sou sócio.
Por partes, quando atravessam uma cidade muito pequena, os motoristas, certas vezes, mencionam que se você olhar para trás, após passar pela placa de “Boas-Vindas”, vai observar que na mesma placa estará escrito, no verso, “Volte Sempre”. Pois bem, um colaborador, logo após ter recebido as boas-vindas no grupo já se utilizou do mesmo dispositivo para se despedir e dizer que estava indo para novos desafios. O mercado de profissionais de tecnologia está tão aquecido que logo após aceitar um emprego, o sujeito já recebe novas e maiores propostas.
O momento é desafiador. Temos um aumento incrível de demandas por serviços de tecnologia; restrições de mobilidade, as quais, em seus momentos mais severos, fizeram com que as empresas repensassem seus espaços físicos de trabalho; um déficit absurdo de profissionais qualificados, que tem como consequência um verdadeiro leilão progressivo dos salários daqueles que se interessam por mudar de emprego constantemente.
Apenas para se ter uma ideia, em contrataste com os quase 15 milhões de desempregados que temos no país, haverá 408 mil vagas em aberto até 2022 para profissionais de TI, segundo uma pesquisa feita pela ASSESPRO-PR. Atualmente, já estamos vivendo um turnover avassalador. Pior, a carência está “promovendo” artificialmente a experiência dos profissionais. Não existem mais estagiários, já começam como trainees, estes, num passe de mágica, já são profissionais plenos os quais, por sua vez, sem nada ter feito, transformaram-se em sêniores. Os sêniores reais estão sendo pagos a peso de ouro e, caso falem inglês, a peso de dólar. Não raro, técnicos têm recebido propostas tão boas ou melhores que executivos da média gerência.
Retenção de talentos, tema sempre relevante, passou a ocupar definitivamente as agendas dos CEO, tanto das empresas do ramo quanto das corporações consumidoras de TI. A internalização dos serviços de tecnologia, que era comum em empresas do ramo financeiro, começou a ocorrer em outros mercados. Grupos econômicos maiores estão comprando empresas especializadas para garantir suporte a suas atividades ou para promover a inovação, como é o caso da Magazine Luíza, do Boticário e da TIVIT, dentre outros.
A estratégia de home office, mandatória pela restrição de aglomerações, já apresentou suas virtudes e seus defeitos. Diferentes instituições estão tomando providências diversas com o retorno gradativo das atividades. Aparentemente, um modelo misto está sendo a panaceia do momento, com 2 dias no escritório e 3 em casa. As instalações físicas estão sofrendo mutações, diminuindo o espaço total, abolindo salas particulares, criando mais espaços compartilhados, mais salas de reunião, sem locais fixos. Empresas tradicionais começam a se assemelhar a startups instaladas em locais de coworking.
Muitos aspectos precisam ser considerados nesta mudança. A maior parte do tempo das pessoas é dispendido no trabalho. Antes da pandemia, saíamos de casa e chegávamos em um local que deveria ter a máxima preocupação em nos acolher adequadamente. Tradicionalmente isso incluía um “cantinho” próprio, onde se colocavam os pertences pessoais e as fotos da família. Qual o efeito de não haver mais porta-retratos no espaço comunitário habitado por todos? Quais as consequências de, a cada dia, as pessoas se instalarem em uma mesa diferente rodeada por colegas diferentes? Será que como nas salas de aula de quando éramos crianças vamos começar a criar grupinhos? Iremos reservar o lugar ao lado para aquele amigo que ainda não chegou? Somente o tempo poderá dizer.
Particularmente, acredito que as fotos da família, aquele vasinho de planta e os detalhes que cada um imprime ao seu ambiente fazem uma grande diferença na identificação do indivíduo com o seu local de trabalho. Penso, também, que a hora do “cafezinho”, as trocas informais de corredor, as dúvidas tiradas rapidamente pela proximidade aumentam a produtividade. A formalidade do home office, onde para falar com o outro você tem que marcar um horário, agride nossa cultura e atrapalha a solução de inúmeras questões.
Para os profissionais de TI, nunca tão assediados como agora, faço lembrar que salário não é tudo. Realização profissional, crescimento, bem-estar, bons companheiros, propósito pessoal e corporativo são muito mais importantes. Trocar de emprego para cada oferta recebida pode parecer tentador, mas no longo prazo, não fará bem para a maioria que escolher este caminho.
Para as empresas, alerto que os modelos ainda não estão testados, não são maduros, não há certezas ainda. É preciso experimentar rápido, avaliar, rever e corrigir os rumos. O mais importante: em mares turbulentos, os princípios corporativos devem ser o principal farol.
*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA, Membro do conselho na Oraex Cloud Consulting, ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional e escritor do Livro “O Futuro é analógico”.