Carlos Alberto

Por Jeovani Salomão* – Por volta de 10 horas da manhã, chamada de número desconhecido:

– Alô…. Alô…

Barulhos de call center ao fundo e ligação terminada.

Por volta de 11:30 da manhã, chamada de número desconhecido (diferente do primeiro).

– Alô

– Bom dia, eu gostaria de falar com o senhor Carlos Alberto

– Este número não é do Carlos Alberto

Ligação encerrada abruptamente.

Por volta de 15:30, chamada de outro número desconhecido.

– Alô

– Boa tarde, este número é o do senhor Carlos Alberto?

– Não senhora, vocês me ligam todo dia e eu já expliquei que este não é o número dele. Vocês poderiam retirar meu número da lista de vocês por favor?

– Vou retirar senhor, desculpe.

Por volta de 17:00, chamada de mais um número desconhecido.

– Alô

– Boa tarde, por favor, o Senhor Carlos Alberto se encontra?

– Senhora, já expliquei hoje, ontem e várias vezes que este não é o número dele, por que continuam me ligando? Por que não retiram meu número da lista?

– Senhor, vou retirar da minha lista, mas o nome do senhor deve estar errado na operadora e eu não posso fazer nada sobre isto.

Esta tem sido minha rotina diária. Várias ligações, pelo menos de 8 a 10, para falar com o tal de Carlos Alberto. Existem muitas outras variações, pessoas mais educadas, algumas mais irritadas, sotaques diferentes, algumas mais solícitas. Da minha parte também há diversas reações, algumas vezes não atendo, outras simplesmente peço para que a atendente espere para que eu chame o Carlos Alberto, outras vezes me irrito. Já tentei bloquear os números, mas continuam ligando de números diferentes. Um dos efeitos colaterais prejudiciais: perco algumas ligações de pessoas conhecidas, mas cujos telefones não estão registrados.

Há de se imaginar que os mesmos dados, muito provavelmente derivados de um vazamento ilegal, foram vendidos para diversas empresas que se utilizam de abordagens por telefone e, por infelicidade da minha parte, meu número se encontra na base pirata associado ao Carlos Alberto. Pode ser que ele tenha errado o cadastro do número, talvez trocado o DDD ou simplesmente tenha colocado um telefone falso para não ser abordado.

O ocorrido é um pequeno exemplo dos problemas que vamos enfrentar com dados cada vez mais disponíveis, mais expostos e mais suscetíveis à fraude. A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, por enquanto, representa para mim o pior dos mundos. Sinto-me ameaçado, quase aterrorizado, enquanto empresário, mas completamente desprotegido enquanto cidadão.

O assunto tem sido pauta de inúmeros escritórios especializados de advocacia e um batalhão empresas de tecnologia. Pouco se discute sobre as consequências reais da lei, das suas lacunas, como fazer para evoluir e como os cidadãos, as empresas e a sociedade como um todo vão se beneficiar dela. A temática que se repete na maioria dos debates é a mesma, entra algum dito especialista que cria um verdadeiro pânico na plateia para depois vender os seus próprios serviços.

O tema é de grande relevância, mas até agora, salvo os debates feitos pelas entidades representativas, e uma ou outra honrosa exceção, a tônica tem sido meramente comercial. “Achamos uma nova mina de ouro e vamos explorar” é o lema da maioria. A essência de tudo, que o dado pessoal pertence ao indivíduo e não pode ser utilizado, sem autorização,  para fim diverso daquele para o qual foi informado, é vital para garantir um mínimo de privacidade e, muito mais que uma lei, deveria ser um princípio incorporado pelas instituições.

Evidentemente, cada pessoa deve contribuir da melhor maneira, em especial, negando-se a fazer qualquer negócio com as empresas que se utilizam dos seus dados indiscriminadamente. Trata-se de um novo e essencial modelo cultural que precisamos incorporar. Enquanto isto não acontece, estou aqui pensando na melhor maneira de tratar o meu pequeno dilema pessoal, eventualmente posso cogitar mudar de número ou, quem sabe, adotar de vez o nome Carlos Alberto.

*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.