Por Jeovani Salomão* – Meu pai tinha um amigo chamado Wilson. No começo da década de 80, lembro-me como se fosse hoje, apareceu em minha casa entusiasmado. Contava para meu pai que ele tinha tido uma ideia que o deixaria milionário. Havia criado um método para que o limpador de para-brisas funcionasse de forma automática. Ouvi com certo interesse, por curiosidade, mas não dei tanto crédito. Afinal, como alguém da redondeza, uma vizinhança de classe média baixa, poderia colocar em prática uma ideia dessa e, ainda, ficar rico. Não parecia nada provável.
Encontrei com o Wilson, sempre de passagem, poucas vezes após essa ocasião. Não sei que destino levou, se realmente conseguiu protagonizar sua criação junto à indústria automobilística e se ganhou ou não dinheiro por causa disso. O fato é que hoje, o meu carro e os de muitas outras marcas possuem o tal limpador de para-brisas. Quando se trata de tecnologias, 40 anos, nos dias atuais, é um lapso de tempo muito grande, que permite que a imaginação de outrora seja a realidade de hoje.
Por outro lado, a evolução das ciências políticas e sociais parecem ser muito mais lentas. Questões aparentemente simples, que deveriam ser consenso, conseguem consumir grande parte dos debates nas redes sociais. Comportamentos que deveriam ser normais, em prol da comunidade, são, ao contrário, raros ou inexistentes.
As polemicas sobre a vacina ilustram bem as afirmações acima. Os interesses da sociedade deveriam prevalecer sobre os interesses políticos. A COVID não deveria ser palco de disputas e sim de união. Quanto antes conseguirmos superar o assunto, mais rapidamente o Brasil vai se recuperar. As marcas da doença são profundas. Amigos e familiares que se foram, pessoas que perderam o emprego, pais de família que não tem como levar o pão para casa, empresas fechadas, alunos sem aula. Enquanto isso, atores, dos mais importantes do cenário nacional, brigando por protagonismo. Discutindo o viés esquerdista ou direitista de quem ajudou na produção da vacina. Criando teorias da conspiração, provocando e disseminando a discórdia. Uma vergonha.
O mesmo vale para a indústria farmacêutica, empresas competindo entre si, ao invés de colaborar. Disputando quem coloca a vacina na frente primeiro. Quem tem os maiores lucros. A verdade é que essa indústria sempre andou no limite da ética, para ser educado. Uma pandemia mundial, entretanto, deveria ser um gatilho para uma postura diferente.
As dinâmicas sociais, e as opiniões pessoais em relação à obrigatoriedade da vacinação, são outro exemplo do quanto precisamos evoluir. Voltando ao meu pai, que em janeiro fará 96 anos, aprendi desde cedo que meu direito termina quando começa o direito do próximo. Dito isso, considero absolutamente claro que a vacinação deve ser facultativa. Nenhuma pessoa, entidade ou governo deveria poder obrigar o outro a se vacinar, tenho convicção. No entanto, caso um indivíduo decida por ficar sem receber a dose da vacina, ele deve renunciar a qualquer contato social e perder prioridade de atendimento, em relação à doença, para aqueles que se vacinaram. Em síntese, não receber a vacina é um direito, mas não propagar o vírus é um dever, direito alheio. Então, o indivíduo que não se imunizar deve ter sua movimentação social restrita, em uma espécie de prisão domiciliar, de preferência com tornozeleira eletrônica paga pelo próprio.
Da minha parte, assim que uma vacina for anunciada segura, entrarei na fila para me vacinar. Confio na capacidade dos nossos institutos, de forma que não me rendo a qualquer ameaça, Fake News ou teoria da conspiração. Tenho a felicidade de ter um cunhado, João Alexandre, PhD em Biologia, pesquisador e professor, inclusive para turmas de medicina, da Universidade de Brasília. Ele me explicou, em detalhes, que não há possibilidade de qualquer vacina alterar nosso código genético, justamente uma das falácias difundidas na Internet.
Tenho comentado em meus artigos sobre os avanços da tecnologia da informação, muitos dos quais nos alcançarão mais rápido do que imaginamos. A velocidade das evoluções das ciências exatas é desafiadora para a humanidade. Trará, rapidamente, benefícios extraordinários, mas, também, questões éticas, sociais e políticas em novas fronteiras, paras as quais a sociedade não está preparada. Gostaria de ser otimista quanto ao progresso simultâneo das ciências sociais e políticas, em relação às exatas, temo, no entanto, que o descompasso seja enorme.
Nesse contexto, a força da liderança baseada em princípios toma proporções ainda maiores. Cada um de nós deve se questionar sobre a maneira que podemos individualmente fazer parte de um processo de evolução e crescimento. A partir de que valores estamos tomando as decisões no nosso micro ecossistema. Evidentemente, os nomes públicos têm uma abrangência de influenciar ainda maior. Caso eu tenha a sorte de que esse texto chegue a alguém que tenha algum poder sobre a sociedade, em qualquer esfera ou dimensão, espero que o privilegiado leitor baseie suas ações, nesse difícil momento em que uma possível segunda onda da COVID nos ameaça, em prol da comunidade e não apenas em benefício próprio.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.