Por Jeovani Salomão* – Sempre apreciei literatura infanto juvenil, motivo pelo qual já devo ter lido boa parte dos livros do gênero que se tornaram sucesso de público. Isso inclui Harry Potter, Crepúsculo, Eragon, Percy Jackson, Divergente, O Hobbit, Senhor dos Anéis, Instrumentos Mortais, O Mago, A Maldição do Tigre, Nárnia, Eu sou o número 4, EndGame, A Bússola de Ouro, Máquinas Mortais, Corte de Espinhos e Rosas dentre outros tantos. Normalmente, além de ler a série completa, assisto os filmes. Quando eu gosto muito, leio várias vezes. Então, por exemplo, li pelo menos três vezes cada um dos sete livros do Harry Potter e cada um dos três do Senhor dos Anéis, sem contar o Hobbit que já devo ter devorado por quatro ou cinco vezes.
Além de diversão garantida, o costume de leitura desse estilo literário traz, pelo menos, outras três vantagens. Em primeiro lugar, conhecer as obras cria um assunto adicional de conversa com essa geração, em particular, com os filhos. Ter um universo comum, fora do cotidiano, permite alcançar temas relevantes e tratar questões que eventualmente seriam mais difíceis sem essa abordagem, mas também possibilita momentos de lazer, aproximação e descontração em família. Em segundo, tais livros, em geral, são simplificações do mundo real, justamente para se enquadrarem na percepção adolescente mais ingênua da vida, o que permite reflexões interessantes. Por fim, é recompensador quando a leitura permeia os hábitos dos filhos, ainda mais, em uma época de atratividade magnetizante das redes sociais, internet, jogos e séries.
Nesse final de semana, por recomendação da minha filha Gabriela, assistimos aos quatro filmes baseados na série de livros Jogos Vorazes. Na verdade, eu já havia tanto lido os livros, quanto assistido aos filmes. A autora, Suzanne Collins, ambientou a saga em um futuro pós-apocalíptico, na América do Norte, onde um País, denominado Panem, é controlado por sua Capital, metrópole que concentra poder, riquezas e uma vida de luxo ostensivo. Os suprimentos, que alimentam a cidade sede do governo, advém de doze distritos, cada um com sua especialidade, os quais são subjugados pela força bélica e pela mídia dominados pelo poder central. A cada ano, como punição por uma revolta passada, cada cidade é obrigada a oferecer dois tributos, um menino e uma menina, entre 12 e 18 anos, para competirem em jogos mortais, transmitidos como em um grande Big Brother para a população inteira, onde os participantes digladiam entre si até que reste apenas um sobrevivente.
A personagem principal da trama, uma adolescente pobre de 16 anos do Distrito 12, Katniss Everdeen, consegue inspirar e se tornar garota propaganda de uma revolução, há muito planejada pelo Distrito 13, que supostamente havia sido bombardeado e não mais existia. A rebelião possui um arsenal menor que o necessário para um conflito frontal e, então, inicia uma batalha pela primazia da comunicação. Capital e rebeldes passam por uma competição com o objetivo de mobilizar ou desmobilizar correligionários. Uma verdadeira guerra de manipulação da opinião pública.
Na aventura, existem somente dois lados, mas em nossa vida real, somos abordados de maneira multilateral. Não apenas pelos defensores e adversários dos governos, mas pelos mais diversos simpatizantes de ideologias, religiões e interesses econômicos em geral. No conjunto de influenciadores, não restam dúvidas, que esses últimos são os mais poderosos quando se trata de elementos de persuasão. Provavelmente, você já optou diversas vezes por uma marca “A” em detrimento a uma “B”, simplesmente porque a primeira tem um marketing melhor que a segunda.
Mas você não é manipulado tão somente pela mídia. Nas redes sociais, sem contar os influencers, os próprios aplicativos tentam direcionar sua atenção para aquilo que a Inteligência Artificial dos sites acredita que sejam as suas preferências. Se você, por exemplo, simpatiza com pensamentos políticos de esquerda ou de direita, vai encontrar muito mais posts favoráveis à sua linha do que aqueles que possuem tendências contrárias.
Nos sites de compra, vale o mesmo, algoritmos coletam cada pedaço de informação possível para detectar suas preferências, construir o seu perfil e direcionar sua próxima compra. Mesmo que você não compre, somente o fato de pesquisar um item, já é suficiente para que os banners dos sites que você visitar daí em diante sejam apresentados para sugestionar uma compra. Até mesmo comentários inocentes, feitos no seu ambiente, são captados pelos aplicativos do seu celular e geram anúncios para aproximar você dos seus próprios interesses que, por acaso, “coincidem” com os dos anunciantes.
Apesar de ostensiva, a tentativa de converter suas tendências de compra em compras efetivas é legítima. Você está sendo influenciado o tempo todo, mas, nesse caso, de relações comerciais, salvo por eventuais abusos, o jogo é dentro de padrões aceitáveis.
Não é o caso que vem ocorrendo com muitos jornalistas e veículos de imprensa. Eu pesquisei o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, de onde extraí alguns artigos, os quais transcrevo abaixo:
Art. 2° – A divulgação da informação, precisa e correta, é dever dos meios de divulgação pública, independente da natureza de sua propriedade.
Art. 3° – A informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo.
Art. 7° – O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação.
Art. 13 – O jornalista deve evitar a divulgação dos fatos: – Com interesse de favorecimento pessoal ou vantagens econômicas; – De caráter mórbido e contrários aos valores humanos.
Cabe elogiar a Associação Brasileira de Imprensa pelo esmerado trabalho. Como se pode observar, a divulgação de informação deveria ser precisa, correta, buscando a verdade dos fatos e pautada pelo interesse coletivo, jamais por interesses particulares. A propósito, essa nobre profissão possui relação direta com o pleno exercício da democracia, que não pode existir sem a liberdade de imprensa.
Infelizmente, parte da imprensa, talvez por conta da necessidade de fornecer notícia imediata e superar a concorrência, tem sido irresponsável, superficial e sensacionalista ao distorcer a verdade dos fatos em busca de audiência. Tentam manipular o público sem medir as consequências dos efeitos.
Nas histórias ficcionais dos livros infanto juvenis, em geral, o maniqueísmo está presente e o bem vence o mal. Na vida real, os espectros vão muito além de lados opostos. Interesses múltiplos operam simultaneamente em busca de arregimentar compradores, aficcionados e massas de manobra. As tentativas de manipulação ocorrem a cada momento. O melhor que se pode fazer é ter consciência disso e exercer o inviolável, intocável, inabalável direito de pensar. Pensar antes de reproduzir, repetir ou encaminhar!
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.