Versão

Por Jeovani Salomão* – No seu computador ou no seu celular, você já deve ter recebido mensagens para atualizar a versão de alguma coisa. Pode ser do sistema operacional, ou um software específico, como um antivírus ou um editor de texto. O termo se aplica, também, para o próprio dispositivo que você utiliza. Os mais entusiastas pela tecnologia vivem pesquisando se há uma nova versão do seu aparelho celular já disponível, com as novidades que nenhum concorrente possui.

A definição do termo “versão”, no universo da tecnologia da informação, foi incorporada ao dia a dia das pessoas, na velocidade que a própria tecnologia invade nosso cotidiano. No sentido mais comum, o termo possui alguns conflitos quanto a etimologia. Para alguns, deriva do francês “version” no sentido de “tradução”; para outros, do latim “versio” com a conotação de “transformação”, por fim, ainda há os que defendem a origem em “vertere”, também do latim, de “girar”.

Seja qual for a corrente certa sobre o berço da palavra, o significado geral se afasta daquele utilizado no mundo da tecnologia. É que nesse último, há uma relação com evolução. Uma versão nova de um software ou de um dispositivo, em geral, traz aprimoramentos em relação à versão anterior, que podem ser correções de erros, aumento de performance, melhorias na usabilidade e na experiência do cliente. Existe ainda a possibilidade da redução propositada de funcionalidades para baixar o preço final do produto, ainda assim uma evolução no sentido de melhorar o custo-benefício.

Evidentemente, nesse momento, o leitor pode estar se lembrando de algumas versões específicas (Windows, alguns celulares, Facebook) que somente pioraram nossas vidas. São exceções. Eu, por exemplo, sempre que me deparo com alguma interface inadequada, funcionalidade ruim ou falha de sistema, tenho tendência de pensar que a próxima versão vai resolver esse problema.

Esse conceito evolutivo do termo “versão” tem sido utilizado também para caracterizar aprimoramentos pessoais. Recentemente, escutei o lema de uma empresa que afirma que seus colaboradores estão em busca constante pelas melhores versões de si próprios. Nesse mesmo sentido, há uma definição da palavra “inferno” que remete a reflexões interessantes. “Inferno é o momento em que você se encontra com o melhor que você poderia ter sido”. Ou seja, se fosse possível, por hipótese, encontrar com a melhor versão de si próprio. Infelizmente, por desconhecimento, não poderei dar os créditos ao autor.

A provocação, pelo menos para mim, é de causar impacto. Como seria o meu melhor “eu”? Quanto bem esse “eu” poderia fazer à sociedade? Como seria o mundo se muitos se desenvolvessem a esse ponto? Observe-se que o foco é naquelas características que se podem aprimorar. Nada de querer 10 centímetros a mais, ou outra cor de olhos ou cabelos.

Voltando ao significado geral – tradução, transformação ou giro – nos deparamos com as ambiguidades do mundo moderno e o difícil tratamento das interpretações da realidade, principalmente, ao se considerar o poder extraordinário de propagação que qualquer informação possui após o advento das redes sociais e dos aplicativos de mensageria.

O provérbio “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, cuja autoria é atribuída ao ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels (o que deve ser uma mentira, mas já foi dito mais de mil vezes!), ganha uma nova dimensão na atualidade,  porque as notícias falsas se espalham exponencialmente.

O tema é complexo, mesmo quando não envolve mentira deliberada. Em plena crise da COVID-19, vejam o caso da Hidroxicloroquina. Há especialistas que apontam para direções opostas, médicos que receitam e médicos que vetam. Instituições com opiniões conflitantes e, o pior, uso político do tema. Versões da realidade exploradas por atores influentes, coadjuvantes ativos e plateia totalmente confusa.

Justo nesse cenário, surge um clamor da sociedade para que o Estado, no sentido mais amplo da palavra, utilize da sua força para cercear e punir os excessos. No último dia 30 de junho, foi aprovado no Senado o Projeto de Lei 2.630/20 que trata o tema das Fake News, cuja transformação em lei depende agora de aprovação na Câmara dos Deputados.

Ocorre que a opinião geral das entidades representativas da sociedade organizada, que coincide com a minha própria, é que o trâmite do Senado foi rápido demais para permitir um debate adequado do tema. Com isso, questões importantíssimas como as de privacidade e cerceamento da liberdade de expressão estão ameaçadas. Há potenciais conflitos com o Marco Civil da Internet, bem como possíveis interferências, inclusive punitivas, nas empresas que transmitem as mensagens. Além, é claro, das consequências eleitorais que, aparentemente, são motivadoras de tanta velocidade.

Pela relevância do tema, há um clamor geral para que a Câmara dos Deputados, ao contrário do Senado, deixe o açodamento de lado e dedique o tempo de amadurecimento que é requerido para situações dessa complexidade.

Enquanto isso, o melhor que podemos fazer é monitorar o nosso próprio comportamento e daquelas pessoas mais próximas. Juntando os conceitos de “versão”, do mundo da Tecnologia e do uso cotidiano, antes de replicar uma mensagem pergunte a si próprio: “Minha melhor versão teria coragem de propagar essa versão dos fatos?”

*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.