Por Jeovani Salomão* – Uma vez resolvi colocar um utensílio inusitado na cabeça para divertir uma sobrinha. Descobri que as crianças pequenas adoram esse gesto, que passei a fazer com sobrinhos e afilhados, variando amplamente as opções de objetos. Pode ser um livro, uma mochila, um guardanapo, um copo ou qualquer outra coisa estranha. Sempre o resultado é o mesmo, muitas gargalhadas. Por isso, vários deles passaram a me chamar de Tio Chapéu. Penso que alguns pequenos até esquecem meu nome, mas nunca se esquecem da alcunha.
Trocar de chapéu é uma atividade salutar. Significa olhar com outros olhos, expor seus pensamentos a uma perspectiva diferente da usual, deslocar seus pontos de referência e perceber novas alternativas. Pode significar empatia, perspicácia e até criatividade.
Em seu excelente livro “Os seis chapéus do pensamento”, Edward de Bono apresenta um método que objetiva tornar o debate de ideias mais organizado, rápido e produtivo. Em resumo, cada chapéu representa um modo de pensar:
Branco – Objetividade e neutralidade. Mostra fatos e números;
Vermelho – Sentimentos e intuição. Apresenta a visão emocional;
Preto – Cautela e espírito crítico. Aponta os riscos de uma ideia;
Amarelo – Otimismo e esperança. Revela o pensamento positivo;
Verde – Crescimento fértil. Sugere criatividade e mudanças;
Azul – Visão geral. Refere-se à reflexão sobre o próprio pensamento.
O método proposto pelo autor provoca novos modelos de raciocínio e afasta preconceitos ao direcionar o pensamento dos participantes para um foco específico e ao fazer convergir perspectivas. Quando o decisor se desloca de uma condição preestabelecida e aceita novas visões, eventualmente se permite encontrar hipóteses que sequer havia concebido anteriormente.
Uma ilustração interessante, que o leitor pode experimentar, é apresentar para duas pessoas distintas uma mesma figura, de forma simultânea, desenhada em lados diferentes de uma folha de papel, coloridas com cores diferentes, mas capazes de gerar alguma interpretação, como por exemplo tons de verde e azul. A discussão que vai se seguir será deveras interessante, cada participante tentando convencer o outro do seu ponto de vista, sendo que a realidade percebida é distinta para cada um. Ao mostrar o outro lado do desenho, ao se trocar o chapéu, possivelmente, a convergência vai se estabelecer rapidamente.
Felizmente, notícias recentes apontam para uma primeira desaceleração do número de contágios pela COVID. Os desafios de recuperação da economia são enormes e é preciso um esforço conjunto para superá-los. Precisamos pensar e agir como nação, evitando posições mesquinhas de interesse meramente pessoal. Temos que nos livrar de pensamentos cristalizados, oriundos tão somente de preconceitos e julgamentos massificados pela mídia.
Nesse sentido, por exemplo, qualquer iniciativa que venha combater a pobreza extrema e a fome deve receber aplausos. Pouco importa se ela é feita no governo Lula ou no Bolsonaro. Pouco importa o viés da ideologia política envolvida. A solidariedade humana é que deve prevalecer. Se o programa de distribuição de renda permitir diminuir a desigualdade nesse período tão conturbado, vamos apoiá-lo. Não consigo e, portanto, jamais proporia, ter uma postura ingênua. Qualquer programa dessa magnitude precisa ser financiado adequadamente e não pode incorrer no erro de gerar dependência eterna. É necessário criar dispositivos para que o programa incentive a qualificação, a geração de emprego e renda. É essencial uma solução técnica, bem estruturada e que respeite as disposições legais, sendo inadmissível uma solução com olhar majoritariamente eleitoreiro. Mas, fundamentalmente, não se pode combater as soluções propostas meramente por questões políticas, de interesse pessoal ou momentâneo. É deplorável qualquer oposição destrutiva apenas para cumprir o papel de oposição.
O impacto orçamentário das medidas propostas é gigante, motivo pelo qual aumentar arrecadação e diminuir outras despesas é vital. Dinamizar a economia e gerar empregos também. Caso você esteja ouvindo bastante as notícias e opiniões propaladas pelas mídias, dependendo do chapéu que você usa de forma habitual, certamente já se aliou a alguma proposição. Tributar grandes fortunas, os lucros das empresas, alterar as tabelas do imposto de renda, acabar com as desonerações da folha de pagamento e ampliar a reforma administrativa, diminuindo as despesas com servidores públicos, são as preferidas pela maioria.
A propósito, se você não usa o chapéu de bilionário e nem de empresário, certamente as proposições que atacam esses “capitalistas desumanos” é sensacional. Da mesma forma, se você não é servidor público, deve ser fã de carteirinha de cortar todos os benefícios desses “privilegiados”. Espero que o leitor tenha compreendido a longa introdução falando dos chapéus e perceba que, tanto uma posição quanto a outra, simplesmente consolida uma visão preconcebida e, na maioria das vezes, equivocada.
Obviamente que tributar onde há mais dinheiro faz sentido, como otimizar a máquina pública faz sentido. Reduzir as diferenças de benefícios entre empregados públicos e privados, também. Ocorre que tributar mais de quem já se tributa muito é péssimo. As empresas no Brasil possuem uma carga tributária descomunal. O mais cruel e pernicioso desembolso são os excessivos encargos sobre a folha de pagamento.
A solução é atacar fortemente aqueles que sonegam (cerca de R$ 626,8 bilhões por ano de sonegação segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional – SINPROFA), simplificar a tributação, prover segurança jurídica e agilidade para as atividades empresariais, desonerar a folha de pagamento e trabalhar duro para tornar a máquina pública mais eficiente. Para fazer isso dependemos de reformas urgentes. Tanto a tributária, quanto a administrativa. As eleições de novembro não poderiam adiar esses movimentos por objetivos meramente eleitoreiros.
Conforme já aprendemos com as operações policiais, que desvendaram falcatruas gigantescas mundo afora, o essencial é seguir o fluxo do dinheiro. Essa lição deveria ser absorvida pela sociedade, que precisa entender de uma vez por todas, que o imposto sobre a movimentação financeira não é o vilão, mas um poderoso instrumento para tributar aqueles que sonegam. Adicionalmente, a circulação de grandes quantidades de dinheiro em espécie deve ser combatida enfaticamente, de forma a fazer que transações de grande monta sejam sempre oficiais e tributadas.
Nesse contexto, a tecnologia da informação tem sido uma grande aliada, criando novos modelos de pagamento e transferências financeiras, ao mesmo tempo que permite rastreabilidade e transparência. Nenhuma fraude resiste a um cruzamento bem feito de informações.
Meu convite, nesse momento de virada, é que você se permita trocar de chapéu. Experimente posições novas, perspectivas diferentes, pontos de vista alheios. Vamos deixar um pouco de lado nossas ideologias partidárias, nosso individualismo e aquela arraigada (e malfadada) lei de Gérson e nos unir na busca das melhores soluções para o Brasil.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.