Até o fim deste ano, espera-se, o governo conseguirá concluir a Reforma Tributária no Congresso Nacional (Projeto de Lei Complementar 68/24) e o presidente Lula sancioná-la. O Ministério da Fazenda não dorme enquanto a tarefa não for cumprida. No momento o texto foi aprovado na Câmara e segue para nova batalha no Senado. Mas o que tem o Serpro a ver com isso? A estatal de processamento de dados deverá assumir o papel de maior operador de um sistema de arrecadação de impostos e contribuições e de um banco de dados do mundo. Mas na atual crise de governança que vive terá capacidade para assumir tamanha missão?
A Reforma Tributária trouxe para o centro da sala da economia brasileira a figura do “Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CBS)”. Suas atribuições foram descritas no Capítulo III e, dentre elas, terá o poder de concentrar, em conjunto com a Receita Federal, todas as decisões necessárias para “implementação de soluções integradas para a administração do imposto”.
Na proposta já aprovada pela Câmara ficou estabelecido que haverá uma “plataforma unificada” composta pelos estados, municípios e o Distrito Federal, que farão a troca simultânea de informações diariamente, sobre toda a movimentação tributária do país. Ou seja, o Serpro terá que integrar de uma forma ainda não vista os diferentes sistemas de arrecadação de 54 integrantes desse Comitê Gestor, divididos em 26 representantes de cada estado e 27 representantes dos 5.500 municípios, além do Distrito Federal.
Não bastasse essa enormidade de transferências de informações diárias, a Reforma Tributária também aumentou ainda mais as preocupações dos gestores brasileiros das áreas de Tecnologia da Informação, com a criação do modelo “cashback”, que devolverá dinheiro arrecadado aos contribuintes. Somente o “cashback” deverá beneficiar cerca de 74 milhões pessoas que por meio de suas famílias estão inscritas no Cadastro Único dos Programas Sociais (CadÚnico). Cuja renda mensal per capita declarada é de até meio salário mínimo. Em termos de transações diárias, significa que o sistema será maior que os bancos de dados atuais dos cadastros sociais.
É preocupante, mas o Brasil já tira de letra grandes bases de dados como a operação do PIX, por exemplo, e certamente encontrará um caminho para integrar estados e municípios em uma nova plataforma federal a exemplo do que já fazem no sistema financeiro nacional.
O problema é: tem quem faça o serviço? Em condições normais de temperatura e presão políticas sim. O Serpro já tem ampla expertise em mecanismos de arrecadação de impostos e contribuições federais.
Crise
Só que a empresa estatal vem atravessando uma crise de governança nunca vista em sua história, desde que o ministro da Fazenda Fernando Haddad terceirizou para o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o controle político do Serpro.
Para se ter uma ideia da confusão reinante, a empresa não tem diretor de Operações e nem uma ideia de quando terá. Da mesma forma, sua área de Desenvolvimento está praticamente desmantelada, com parte da equipe transferida para a área de “Negócios”. E nesta área, que deveria ser voltada apenas para o atendimento e negociação de contratos com os “clientes” (leia-se, governo), mesmo depois de um ano e meio de Governo Lula, conta com um diretor bolsonarista que o mandato já venceu, mas ainda vem trabalhando politicamente pela renovação. Depende apenas da formalização do apoio do ministro Padilha.
O Serpro ainda convive com um presidente que não goza de nenhum prestígio ou tem bom relacionamento com os funcionários. Principalmente depois que Alexandre Amorim disse numa reunião com todos os trabalhadores da estatal, que aqueles que não aceitassem as mudanças na estrutura que ele vem implementando, como a mudança de parte dos desenvolvedores de software para a área de vendas, por exemplo, que “tratassem de procurar o RH”.
O caos administrativo tem levado o Serpro a gastar mais com marketing para tentar dar um ar de normalidade e de um protagonismo que a empresa não tem no processo de Transformação Digital do Governo Lula. Apesar das tentativas de publicidade bonitinhas, isso não esconde alguns fatos, por exemplo, como o da “nuvem soberana”, que desde 2022 vem sendo anuncianda, mas o Serpro nunca dá conta de colocá-la na praça.
Há um ano e meio Amorim não faz outra coisa que não seja dar entrevistas controladas para informar que está para sair a bendita nuvem. A previsão mais recente dele é de que isso ocorra entre setembro ou outubro. A conferir se não será mais uma empurrada com a barriga que, por sinal, no caso de Alexandre Amorim está crescendo.
Estrutura
Assumir o papel de gestor de uma nova rede de arrecadação o Serpro tem gabarito para isso. Porém, tal estrutura nova deverá obrigar a empresa a praticamente até triplicar a sua atual capacidade computacional. Além de outras questões como, aumentar o uso de energia e a necessidade de contar com pessoal extra para executar a tarefa. Num cenário de brigas internas e o governo prometendo cortes orçamentários, será possível a estatal contar com recursos necessários para novos investimentos?
Os fabricantes de equipamentos de informática e desenvolvedores de sistemas já farejaram essa nova oportunidade de negócios que a Reforma Tributária irá lhes proporcionar, cuja estimativa orçamentária para o cumprimento dessa tarefa gira em torno de R$ 3,9 bilhões, a preços de hoje.
O problema é saber com quem conversar dentro do governo ou da estatal. Os fornecedores devem procurar quem: Fernando Haddad ou Alexandre Padilha?
Passando dessa fase, devem procurar quem dentro do Serpro?
Um diretor de Operações que não existe? Uma diretora de Desenvolvimento que deixou sua área ser esquartejada? Ou devem procurar o diretor de Clientes que está lutando para continuar no cargo que já ocupa há mais de 15 anos? Um daqueles raros casos de sobrevivência política bancada pela parceria com a Receita Federal.
*Mistérios…