Serpro faz clientelismo político com serviços de graça para prefeituras

Até o próximo dia 30 de junho todas as prefeituras que tiverem interesse em receber serviços de tecnologia do Serpro deverão se inscrever no projeto “Prefeitura + Digital“. O “publico alvo” serão as prefeituras de até 30 mil habitantes, o que significa que a estatal irá disponibilizar sistemas e serviços para mais de 70% dos 5.571 municípios brasileiros. Em um comunicado para a imprensa a estatal diz que esse é um projeto de “política pública” que já conta com 440 prefeituras inscritas. A proposta da estatal está mais para uma ação deliberada de clientelismo político. Prova disso é que os serviços prometidos pela estatal serão dados de graça pelo período de dois anos.

Mas se os prefeitos acharem que 24 meses de serviços de graça são insuficientes, a estatal se compromete a rever o prazo. “O Serpro, comprometido com a eficiência e o sucesso do programa, poderá revisar os prazos conforme necessário, adaptando-se à realidade de cada município”, informa a empresa na página oficial do projeto.

“Nosso objetivo é democratizar o processo de transformação digital. Mas o que é transformação digital? É levar serviços para a população através de meios digitais, como o smartphone, para tirar as pessoas daquelas filas de um sistema burocrático. Mais tecnologia significa mais eficiência para os gestores e mais qualidade de vida para a população”, explica Alexandre Amorim, presidente do Serpro, no comunicado que distribuiu para a imprensa.

 A primeira questão a ser levantada é que esse projeto não será feito em parceria com governos ou as estatais estaduais de TI, que são as responsáveis pela tarefa de atuar nos seus municípios prestando serviços digitais de qualidade à população. O Serpro como empresa federal, deveria estar mais preocupado em desenvolver sistemas para o governo, do que oferecer seviços de graça para prefeitos. Essa tarefa a estatal vem delegando para empresas privadas em “parcerias” não muito bem explicadas.

A segunda indagação que se faz dessa nova “política pública”: se sairá de graça para os prefeitos, quem pagará a conta durante dois anos, desse custo operacional que a estatal assumirá com a prestação de serviços digitais e a transferência tecnológica, além de áreas como a de comunicação e de segurança da informação?

Há ainda outro componente nessa discussão: a estatal não estaria “invadindo” o mercado privado de informática nos municípios? O setor é composto por micro e pequenas empresas que normalmente dependem dos contratos com as prefeituras para sobreviverem. Se entra uma estatal do porte do Serpro prestando serviços de graça neste mercado, essas microempresas irão prestar serviços para quem? Até agora não houve nenhuma manifestação oficial das entidades que representam essas empresas e isso vem chamando a atenção. Não querem brigar com o Serpro? Por que?

Esss entidades não se manifestaram nesse caso e muito menos sobre o novo modelo estatal de contratações em nuvem de empresas privadas (Dataprev também caminha para isso) que vem privilegiando as startups que estiverem agregadas aos grandes provedores multinacionais.

Esse modelo vem permitindo ao Serpro fechar negócios da sua multinuvem com ministérios e órgãos vinculados, subcontratando as startups para prestarem o serviço de desenvolvimento de aplicativos sem passarem por processos de licitação. Apenas é feito um “chamamento” no qual a estatal escolhe depois com quem irá ser a “parceira” do serviço dentro do governo.

Assédio aos prefeitos

O Serpro aproveitou a XXVI Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, que aconteceu entre os dias 19 a 22 de maio em Brasília, para fazer um contato direto com os prefeitos e oferecer a sua plataforma “Prefeitura + Digital”. Os resultados dessa prospecção não são conhecidos; se valeu gastar com a montagem de estande no local, por exemplo. Mas dá para imaginar que não saiu barato e é mais um dado para somar lá na frente quando for conferido o custo final deste programa. Basta olhar para a lista de patrocínios deste ano da estatal já direcionou para eventos municipalistas, que no total custaram R$ 825 mil:

Seminário APRECE Novos Gestores Municipais
28 e 29/01 Fortaleza-CE
Patrocínio: R$ 50.000,00

8º Encontro de Prefeitos e Prefeitas Bahia
29 e 30/01 Salvador-BA
Patrocínio: R$ 25.000,00

Conecta Recife
12 e 13/03 Recife-PE
Patrocínio: R$ 100.000,00

Smart City Expo Curitiba
25 a 27/03 Curitiba-PR
Expositor: R$ 240.000,00

2º Congresso e Feira de oportunidades para os Municípios da Paraíba – CONFEP
2 a 4/04 João Pessoa-PB​
Patrocínio: R$ 50.000,00​

3° COMUP – Conecta Municípios Potiguares
9 e 10/04 Natal-RN​
Patrocínio: R$ 50.000,00​

8º Congresso Pernambucano de Municípios
28 a 30/04 Recife-PE
Expositor: R$35.000,00

EMUPAR – Encontro de Municípios Paranaenses
29 e 30/04 Curitiba-PR​
Patrocínio: R$ 125.000,00

40º Congresso Mineiro de Municípios
6 e 7/05 Belo Horizonte-MG
Patrocínio: R$ 150.000,00

Máquina política

Desde o início deste governo o Serpro vem sendo aparelhado por aliados do ex-ministro das Relações Institucionais e agora da Saúde, Alexandre Padilha. O presidente do Serpro, Alexandre Amorim é sustentado politicamente por Padilha, apesar de outros setores do partido já terem pedido a cabeça dele. Vive em constante queda de braços na Casa Civil, numa disputa política sem resultados para nenhum dos lados do partido, mas que aos poucos vem agravando a situação da empresa.

Mesmo com a saída de Padilha da Secretaria de Relações Institucionais, Amorim continua fortalecido no cargo. Porque conta com o apoio velado de outro integrante do partido que é do círculo de amigos do presidente Lula: ex-deputado Emídio de Souza (PT-SP). Fortalecido, Alexandre Amorim tem feito mudanças radicais na estrutura da estatal para se garantir no poder. Essas mudanças inclusive passam pela escolha de bolsonaristas que ocupavam cargos na gestão anterior e continuam na “crista da onda”. Agradecidos, cumprem qualquer tarefa que Amorim determinar, enquanto sonham com a volta da oposição ao poder.

Na gestão Amorim, por exemplo, o Serpro acabou com a diretoria de Desenvolvimento, que foi esquartejada e os desenvolvedores de software remanejados para duas diretorias voltadas para negócios. Uma atende diretamente a Receita Federal e a outra o mercado governamental em geral.

É na Diretoria de Negócios, Governos e Mercados (DINGM) por onde passa o clientelismo municipalista do PT. A diretoria está sendo ocupada por André Picoli Agatte, que desembarcou em Brasília após ter ocupado o cargo de Coordenador Especial de Planejamento Estratégico na prefeitura de Atibaia. Agatte é ligado ao ex-prefeito de Araraquara, Edinho Silva, que agora disputa a presidência nacional do partido como o candidato de Lula.

Ele começou a trabalhar no Serpro como assessor da presidência da estatal, boquinha que conseguiu por interferência do seu cunhado Sinval Alan Ferreira da Silva, conhecido no PT paulista como “ Alan Gatinho”, . Que assessorou Padilha na Secretaria de Relações Institucionais. Alan Gatinho seguiu com Padilha para o Ministério da Saúde, onde atua agora como Subsecretário de Assuntos Administrativos da Secretaria Executiva.

André Agatte conseguiu a aprovação do seu nome para a diretoria do Serpro em fevereiro deste ano, aumentando ainda mais a influência política do ministro Padilha na cúpula da estatal. Desde então, nenhum outro diretor acumulou tantos poderes dentro da estatal em tão pouco tempo. Ele é o diretor de Negócios, Governos e Mercados.

Além de controlar toda a área de venda de serviços do Serpro, André Agatte também ganhou poderes para definir dentro da estatal todas as terceirizações de serviços de software. Nenhum serviço ou empresa passarão dentro da estatal sem a sua aprovação. Foi criado um comitê vinculado ao Conselho de Administração para definir tais contratações, no qual só participam os superintendentes de Agatte. Esse organismo tem poderes até para barrar qualquer tentativa de terceirizações na empresa que forem solicitadas ao Conselho de Administração pelos demais diretores.

Toda essa manobra política leva este blog a indagar do governo, se esse projeto de dar de graça por dois anos os serviços de TI para prefeituras teve a aprovação integral dos Conselhos de Administração e Fiscal da empresa. Não há notícias de que isso tenha ocorrido. Mas se o CA do Serpro permite que um único diretor defina todas as contratações da empresa, tudo leva a crer que as movimentações de André Agatte contam com total respaldo dos conselheiros.

O Serpro nem tem formalmente uma estrutura administrativa consolidada. Até agora, as informações são poucas, mas sinalizam que a mudança no organograma do Serpro com novas diretorias, que foi solicitada pelo presidente Alexandre Amorim, não passou pelo crivo do Conselho de Administração pela segunda vez. E a proposta foi feita após estudos de um Instituto contratado diretamente por ele em torno de R$ 7 milhões.

Caso isso se confirme, então a empresa estatal está vivendo uma situação de caos administrativo, com diretores fantasmas assinando contratos e pagando salários para cargos de chefia que nem deveriam existir, sem nenhum respaldo legal para isso.