Está em estudo dentro do Ministério da Economia, a possibilidade de se pagar ao Serpro R$ 1,8 bilhão, por um contrato de desenvolvimento de novos aplicativos voltados para o Governo Digital, que contará com a participação de um “parceiro privado” ainda a ser escolhido. Como a contratação é direta com o Serpro, está dispensada a licitação. Já o parceiro não será escolhido por meio de concorrência pública, uma vez que a Lei das Estatais (13.303/2016) possibilita a formação desse tipo de acordo comercial.
O “Edital de Chamamento Público para Manifestação de Interesse Privado”, que praticamente repete o texto que este site publicou na edição de ontem (17), já estaria na praça aguardando até novembro a aparição dos interessados em formar a tal parceria. Cujo valor está muto acima dos praticados no mercado de desenvolvimento de APIs, já que não sabe quantas aplicações resultarão dele e nem tampouco é claro sobre a longevidade do referido acordo comercial.
Chama a atenção para o subitem 1.2 do Item 5.0, na Seção V do referido edital, que trata dos “Critérios e Parâmetros para Seleção de Manifestações”. Nele está contida a exigência da candidata “apresentar certificado de capacidade técnica emitido por empresas nacionais ou estrangeiras com ativos superiores a R$ 240 milhões ou faturamento superior a R$ 300 milhões”. A outra opção seria os certificados serem emitidos “por órgãos da Administração Federal, direta ou indireta, ou representantes de governos estrangeiros”.
Esses critérios deverão restringir a participação de muitas startups que ainda não gozam desse grau de relacionamento com clientes, embora sejam tecnicamente as mais habilitadas a prestar o serviço. Mesmo que algumas compareçam com tais certificados de capacitação técnica, isso não impedirá que tenham de concorrer em pontuação avaliada pelo Serpro, com as grandes empresas que deveriam assinar essa capacitação técnica, pois elas podem preferir pegar para si o contrato.
Daí resta indagar: o que o Serpro deseja com esse edital. Contratar startups e, com isso, incentivar o mercado nacional? Ou seria apenas um desvio garantido pela Lei das Estatais (13.303/2016), para contratar sem licitação alguma grande fábrica de software?
É estranho que uma empresa estatal, que todos os dias convive com a notícia de que será privatizada em breve pelo governo, esteja pensando em fechar parceria com empresa privada e ganhar do governo um contrato de R$ 1,8 bilhão. Que chega quase ao mesmo valor de um contrato de serviços que mantém com a Receita Federal, seu maior cliente.
Há ainda uma questão desconhecida. Como o parceiro privado irá “herdar” o contrato, já que a empresa titular dele junto ao governo (o Serpro) deixará de existir com a eventual privatização e, portanto, não gozará mais do benefício da dispensa de licitação, pois deixou de ser empresa estatal?
Como é que o governo poderá transferir esse contrato para um parceiro privado depois da privatização do Serpro, ainda mais se o parceiro não for quem comprou a estatal? Será que os investidores comprariam uma estatal, sabendo que tem um contrato de R$ 1,8 bilhão que não será seu, pois ele está nas mãos de uma empresa concorrente?
A informação de que este contrato pode chegar a R$ 1,8 bilhão, além de outros questionamentos, carece de maiores esclarecimentos da parte do governo. Aliás, independentemente deste valor, o governo precisa vir à público explicar essa suposta contratação.
Que não pode ser negada, até porque está claro o repentino interesse da Diretoria de Gestão de Pessoas do Serpro de criar uma nova Superintendência, com nítidos sinais de que ela atuará em um projeto especial: a “Superintendência de Soluções Analíticas e Inteligência Artificial – SUPAI“.
Será composta por 10 analistas que terão a missão de atuar como Cientistas de Dados no “Centro de Excelência em Análise de Dados e Inteligência Artificial”. Detalhe: os 10 analistas serão escolhidos exclusivamente na área de competência da Diretoria de Desenvolvimento (DIDES). Nenhuma outra área que tenha analistas trabalhando foi convidada a participar desse processo de seleção.
Desencontro de informações
É curioso como um governo numa ponta sai em público anunciando a privatização de estatais de Tecnologia e na outra cria um ambiente que não condiz com essa realidade. A impressão que se tem é de que o secretário especial das Privatizações, Salim Mattar, está isolado dentro do governo na campanha pela venda das empresas.
Os demais secretários trabalham para o Serpro fazer negócios com o setor privado valendo-se dos dados do cidadão brasileiro. E é aí que mora o perigo, pois o país tem uma legislação recém criada mas ainda não testada, que somente entrará em vigor em agosto do ano que vem.