Ontem no fim da tarde começou a circular uma suposta “reportagem-bomba”, com o objetivo claro de abalar a permanência no cargo de um presidente de estatal – já praticamente demitido – atingir um consórcio de empresas de informática de Brasília e, como prato principal da trama política: envolver a família do presidente Jair Bolsonaro numa briga comercial na Dataprev, que seria apontada como uma espécie de “joia da coroa” em disputa.
Intitulada: “Dataprev: diga-me com quem andas, que te direi quem tu és” , a matéria insinua que a “megaempresária” Maria Cristina Boner Leo , conhecida no mercado por ter sido dona do antigo Grupo TBA (que já nem existe mais) e o seu marido, o Advogado, Frederick Wassef (com quem já não está casada há mais de dois anos), estariam pressionando o presidente Jair Bolsonaro a impedir, pasmem, que a Dataprev cancelasse um contrato de 60 meses, que se arrasta desde 2014, no valor de R$ 15 milhões. O objeto do contrato era a implantação de uma “Solução Integrada de Gestão de Pessoas em nuvem”.
A única parte visível e clara dessa rocambolesca reportagem – que coloca um presidente da República interessado em resolver uma disputa política e comercial numa empresa estatal – é o fato de que o jornalista responsável sequer se deu ao trabalho de ler os documentos que recebeu para corroborar essa trama.
Se tivesse lido desconfiaria do interesse desses funcionários no vazamento de tais informações, pois estaria evidenciado que seriam parte interessada no processo, já que estão envolvidos nessa guerra comercial com empresas de informática, que poderá resultar num futuro inquérito administrativo. Pelo menos é o que se esperaria de uma estatal interessada na apuração total dos fatos.
Afora o erro grosseiro de informação, de nominar um casal que já não vive sob o mesmo teto, a “trama” é tão boa, que não deixou de fora nem uma ex-CIO de uma multinacional de telefonia, cotada para assumir o comando da estatal. Onde, segundo o grande achado do jornalista, ela já atuaria como a “eminência parda” dentro da Dataprev, estatal que, pelo menos até ontem, não se tem notícias de que teria pisado por lá.
Contrato
No ano de 2014, ainda sob os efeitos do segundo Governo Dilma Rousseff, a Dataprev realizou um Pregão Eletrônico nº 304/2014, para contratar empresas privadas que desenvolveriam “Solução Integrada de Gestão de Pessoas em Nuvem”.
O objeto da compra era claro: “configuração, implementação (análise e redesenho dos fluxos dos serviços/processos e parametrização) da solução, implantação (incluindo serviço de migração de dados e integração com sistemas legados), gestão de mudanças, capacitação, suporte e manutenção do software, compreendendo o atendimento dos requisitos funcionais e não funcionais definidos nos anexos I e II . E 2.800 (dois mil e oitocentos) Pontos de Função para execução de atividades de Desenvolvimento / Customização de Novas Funcionalidades não previstas nas Especificações Técnicas, conforme condições constantes do Edital e seus anexos.”
Após disputa, o consórcio formado pelas empresas Maisdoisx Tecnologia em Dobro, Globalweb Outsourcing do Brasil S/A, Latinifs Tecnologia da Informação e 2Easy Soluções em Informática, assinou o contrato com a Dataprev para a execução do serviço. As duas primeiras empresas são de Cristina Boner. Porém ela afirmou que não exerce atividades administrativas, tendo delegado o controle para executivos contratados no mercado.
Na época, o consórcio foi submetido à Prova de Conceito (POC), procedimento realizado após a realização da licitação, por todo e qualquer órgão público ou empresa estatal, pois a meta é conferir a capacidade técnica da empresa vencedora do certame. A solução vencedora acabou atendendo 88,24% das exigências técnicas previstas pela equipe da Dataprev.
Porém, ao começar a execução do contrato, o consórcio começou a encontrar uma série de dificuldades e exigências que não estavam previstas em edital, segundo o escritório de Advocacia que defende o consórcio no pedido rescisão unilateral da Dataprev, contatado por esse Blog.
O consórcio em sua defesa contesta as alegações de que não teria conseguido entregar as metas estabelecidas nos prazos estipulados, o que teria ocasionado três aditivos adiando a execução do serviço.
“Ressalte-se, ainda, que, durante a execução do projeto, dos 150 requisitos aprovados na POC, 82 tiveram recusa por parte da mesma equipe técnica responsável pela aprovação anterior. Isso representa 55% de customizações não previstas inicialmente (exclusivas para a Dataprev)”, realça documento em poder deste blog, sobre a defesa feita pelo consórcio no processo de rompimento unilateral do contrato pela Dataprev, que ainda está em curso.
O consórcio vai além. Alega que as exigências contratuais tornaram-se draconianas, com metas cada vez mais crescentes e fora do escopo do edital de contratação. Que era justamente adotar uma solução desenvolvida por um consórcio privado de empresas. E não por desenvolvimento ou customização interna da própria Dataprev.
É de se perguntar: se era para os empregados da Dataprev desenvolverem ou customizarem uma solução comprada no mercado, não teria sido mais lógico não realizar um pregão para contratar alguma empresa desenvolvedora de software e apenas se deter na realização de uma licitação voltada para compra de um sistema customizável, de prateleira?
Pra quê contratar um consórcio de desenvolvimento de sistemas, se o objetivo é criar algo ou pelo menos customizar algo vendido por terceiros, através do corpo técnico da própria Dataprev?
Multa e punição
No documento da rescisão unilateral do contrato proposto pelos corpo técnico da Dataprev, o mesmo que inseriu uma série de requisitos nos quais as empresas foram obrigadas a cumprir, embora não estivessem previstas no edital, há uma proposta de aplicação do pagamento pelas empresas de uma multa de R$ 27 milhões, a título de ressarcimento para a estatal. E é aí que vem a piada.
O tal ressarcimento de R$ 27 milhões, seria a conta que os funcionários encontraram para explicar o prejuízo que a Dataprev acumulou num contrato orçado em 60 meses, ao custo de R$ 15 milhões. Alegam que a estatal assumiu esse prejuízo, ao ter desembolsado de 2014 para cá a quantia de R$ 1,7 milhão, à título de pagamento às empresas pelos serviços prestados.
Não entram no mérito de como conseguiram enrolar por longos quatro anos as empresas, que praticamente não receberam nada pelos serviços que fizeram. Nem explicam como eles mesmos pagaram R$ 1,7 milhão por algo que afirmam que não foi executado.
A única conclusão plausível para explicar essa conta feita pela equipe técnica da Dataprev seria a de que a empresa deixou de ser uma estatal com o foco em Tecnologia da Informação para tornar-se num banco oficial, ou pior ainda: num agiota.