Se todos ganharam, quem perdeu no Marco Civil?

Passada a euforia na rede com a aprovação do Marco Civil, resta agora se debruçar no texto que seguirá para a análise no Senado e avaliar se a proposta de uma “Constituição da Internet” que foi aprovada ontem, apenas com o voto contra do PPS, ficou boa ou ruim para o Internauta e as empresas.

Como jornalista que já cobriu o Congresso Nacional por 14 anos, explico que foram raras as vezes em que vi tamanha unanimidade em projetos que chegaram a levar mais de dois anos tramitando na casa. Me custa a crer que apenas o PPS tenha sido o “derrotado” num projeto desta envergadura, em que ao fim da votação, usuários e empresas se disseram plenamente “satisfeitos” com o texto final.

Opa! Tem tem algo errado aí. Numa relação de consumo, o máximo de benefício que se conseguiria entre duas partes tão distintas seria um equilíbrio. Ontem o que eu assisti em termos de comemorações foram as duas partes, que durante dois anos foram totalmente antagônicas, festejando juntas a aprovação de um texto. Sob a alegação de que conseguiram, de um lado “não serem discriminadas na rede”, enquanto que a outra afirmando que poderá vender “pacotes diferenciados”.

(?????)

O texto final, para mim, numa rápida olhada que dei ontem, tem claros indícios de que os discursos propagados após a votação, não batem com toda a euforia produzida na rede. A neutralidade aprovada ontem, a mim parece que deixou brechas que precisam ser explicadas.

E não pelos parlamentares que votaram, muito menos pelo deputado Alessandro Molon. Ele fez a sua parte, cabe agora a área técnica se debruçar no texto final e identificar se houve ganhos para ambos os lados que equilibrarão essa relação de consumo, ou quem irá perder lá na frente, na hora que essa neutralidade for posta em prática.

É o que farei ainda hoje. Estou saindo em busca de entrevistas que possam esclarecer as minhas dúvidas.

Hoje, por exemplo, Ronaldo lemos, do ITS, um dos que trabalharam na primeira redação do Marco Civil da Internet, disse textualmente no Globo, que a nova proposta gestada no Congresso “impedirá coisas como a Netflix pagando a Comcast nos EUA para ter conexão privilegiada. Isso, sim, fere de frente a neutralidade, que já não existe por lá”.

Será mesmo?

O texto que eu li parece dizer o contrário, o NetFlix e as OTTs em geral poderão ter pacotes diferenciados, sim, para seus usuários e quem pagar mais terá vídeos com maior qualidade. Não necessariamente isso quer dizer que os demais usuários não poderão assistir vídeos. O  que me parece é que o texto agora abriu um fosso entre os heavy users e os usuários comuns. O primeiro, que tem poder aquisitivo melhor, ficará com a qualidade do serviço prestado na rede, enquanto que o segundo terá um paliativo, que entretanto não burlará a “neutralidade” proposta pelo texto, no tocante a ser impedido de trafegar dados, mesmo que em bandas mais baixas.

Por enquanto, prefiro acreditar que ontem foi produzido apenas um texto para o Brasil ter o que levar de proposta para a NetMundial, o encontro que a presidenta Dilma fará em São Paulo com reprentantes de diversos países.

*Como carta de princípios o texto é muito bonito, mas o que vale é a regulamentação da matéria pelo Executivo. E é aí que mora o diabo, nos detalhes.