
O diretor da SaferNet Brasil, Thiago Tavares, defendeu no Congresso Nacional a retomada do anteprojeto de lei elaborado pela Comissão de Juristas sobre o uso de dados pessoais em investigações criminais, entregue à Câmara dos Deputados no final de 2021, mas que até hoje não teve tramitação. Segundo ele, o texto é essencial para preencher a lacuna existente entre a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e as necessidades legais de atuação policial e judicial em casos de crimes cibernéticos, especialmente os que envolvem crianças e adolescentes.
Tavares resgatou a trajetória legislativa brasileira sobre crimes digitais desde 1995, quando surgiram os primeiros projetos de lei voltados à internet comercial. Já à época, o Congresso discutia temas como responsabilidade de provedores, dados cadastrais e conexões IP. Ele lembrou que o endereço IP – usado para identificar dispositivos conectados à rede – não é fixo como um CPF, o que exige que sempre seja associado a data, hora, fuso horário e porta lógica de conexão. Sem esses metadados, alertou, é possível punir inocentes:
“Já houve casos de busca e apreensão na casa errada porque o mesmo número IP foi usado por outra pessoa em outro horário. É por isso que a precisão técnica é vital para a segurança jurídica”, afirmou.
O anteprojeto citado por Tavares foi resultado do trabalho de uma comissão de juristas criada em 2019, presidida pelo ministro Néfi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e integrada por nomes como Laura Schertel Mendes (IDP), Danilo Doneda, Ingo Sarlet, Juliana Abrusio, Tércio Sampaio Ferraz Júnior e o procurador Vladmir Aras. A proposta buscava adaptar a LGPD ao campo penal, à semelhança do que ocorre na Europa, onde a Diretiva 2016/680 da União Europeia regula o uso de dados em investigações criminais.
“O Brasil seguiu o modelo europeu ao criar a LGPD e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, mas parou no meio do caminho. Falta a lei específica que trate do uso de dados para fins de persecução penal e defesa”, disse Tavares.
Lacuna normativa
Segundo o diretor da SaferNet, a ausência dessa lei específica cria insegurança jurídica para autoridades e empresas, além de deixar desprotegidos direitos fundamentais de cidadãos — inclusive os de menores de idade, mais expostos a riscos digitais. Ele propôs que o Parlamento retome o texto de 2021, atualize-o frente aos novos desafios tecnológicos e o aprove como base para uma legislação equilibrada entre segurança pública e privacidade.
Tavares alertou ainda para iniciativas legislativas recentes que, sob o pretexto de aprimorar a segurança digital, podem ultrapassar limites constitucionais. Ele criticou, por exemplo, a proposta de um “protocolo de inteligência preditiva”, que autoriza o uso massivo de dados sensíveis e prevê excludentes de ilicitude para agentes públicos.
“Investigações baseadas em previsão e vigilância massiva colocam em risco o núcleo dos direitos humanos. Precisamos de leis que aprimorem a investigação, mas que não normalizem a exceção”, advertiu.
Encerrando sua fala, o diretor da SaferNet conclamou os parlamentares a não desperdiçar o trabalho técnico já realizado pela comissão de juristas e a conduzir uma discussão madura sobre o uso de dados digitais em investigações criminais. “O desafio é garantir eficácia à persecução penal sem abrir mão das salvaguardas democráticas. A tecnologia evolui rapidamente; nossa legislação precisa acompanhar com o mesmo senso de responsabilidade.”
O diretor da SaferNet participou de audiência pública sobre o tema: “Reforma da Legislação Penal, Processual Penal e repressão aos crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes”, promovida pelo Grupo de Trabalho da Câmara destinado a “Estudar e Propor soluções Legislativas acerca da Proteção de Crianças e Adolescentes em Ambiente Digital”.







