Desde março deste ano a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa – RNP vem movimentando os principais executivos do governo na área de Telecomunicações, para emplacar um novo projeto de implantação de infraestrutura de rede de banda larga na região Amazônica e no Nordeste.
A estratégia de buscar apoios no governo vem partindo dos diretores da RNP, Nelson Simões (Geral) e Eduardo Grizendi (Engenharia e Operações) e já conta com o apoio do secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Vitor Elísio Góes De Oliveira Menezes.
Simões já conseguiu envolver até mesmo o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, Marcos Pontes, além de seu secretário-executivo Julio Semeghini. Ambos recentemente deram declarações sobre o plano de banda larga, sem necessariamente saberem da estratégia da RNP por trás disso. O plano, em princípio é louvável, mas a forma como está sendo conduzido, questionável.
É preciso deixar claro que não está sendo denunciada qualquer ilegalidade, qualquer ato que possa descrever corrupção da parte dos envolvidos na elaboração desse novo plano de banda larga fixa para as regiões Amazônica e Nordeste. O que se questiona é se a RNP pode fazer lobby dentro do governo para uma empresa privada, com quem já mantém acordos comerciais, em detrimento do resto do mercado.
Afinal de contas, um projeto que pode consumir em recursos públicos algo da ordem de R$ 300 milhões, não pode ser considerado como “baratinho”, como já destacou o secretário Vitor Elísio. Seria preciso consultar o mercado para saber se há ou não outras empresas dispostas a participar deste programa. E isso não tem ocorrido.
Capital Digital conversou com duas associações de provedores de Internet, que contam em seus quadros com empresas voltadas para a montagem de infraestrutura de redes. Em ambos os casos, os interlocutores se disseram surpresos com a informação e a presença da Junto Telecom (ou Bel Telecom Serviços de Telecomunicações EIRELI ), em reuniões de governo, cujas portas foram fechadas para o resto do setor.
Afinal de contas, que plano de banda larga fixa pode estar sendo debatido internamente no governo, sem que toda a iniciativa privada seja consultada previamente para sugerir eventuais correções de rumos? A não ser que a Junto Telecom tenha virado a empresa representante de todo um setor, do dia para a noite, sua presença não significa necessariamente que o mercado esteja sendo consultado sobre o projeto.
O pior é que, aparentemente e sem saberem, o ministro e seu secretário-executivo estão virando avalistas de um projeto, cujo objetivo final será beneficiar uma única empresa privada parceira da RNP. Outro que recentemente teria sido envolvido no projeto foi o presidente da Telebras, Waldemar Gonçalves Ortunho Junior.
A estatal, que dispõe de um satélite e um grande backbone, bem poderia estar à frente desse projeto, mas não se sabe o porquê, a ideia passou a ser atribuição da RNP. Tudo indica que o papel da Telebras nesse contexto será o de um mero coadjuvante. Outro eventual parceiro que nem aparece nessas reuniões é o Exército Brasileiro, que já atuava na Amazônia num projeto de infraestrutura de rede de conexão de banda larga fixa.
Ao que parece foi atropelado pela Junto Telecom, que em sua página no LinkedIn afirma ser a “empresa com maior rede de fibra ótica do Brasil. Com uma cobertura de mais de 32 mil quilômetros de rede ótica própria, atuando em 4 das 5 regiões do pais, tendo atendimento em mais de 23 Estados além do Distrito Federal, sendo mais de 250 cidades atendidas atualmente”.
Seu capital social é de R$ 14 milhões e, em tese, contaria com um sócio estrangeiro: a norte-americana “Carvin Holding Llc”. Entretanto, verificando os sócios aparentes dessa empresa estrangeira, descobre-se que o proprietário seria o mesmo da Junto Telecom: Mauro Roberto Collato Junior.
No LinkedIn se apresenta como “CEO com um histórico comprovado de trabalho no setor de telecomunicações”. Além de um profissional “especializado em negociação, risco financeiro, planejamento de negócios, gestão de riscos e finanças corporativas”. Ardoroso defensor do Governo Bolsonaro, o empresário Mauro Roberto Collato aparentemente não se constrangeu de manter negócios com a RNP em outros governos, sobretudo os do PT.
Será preciso saber com maiores detalhes, até que ponto a “mão invisível do Estado”, conforme definiu o secretário de Telecomunicações Vitor Elísio, estará realmente atuando em favor do desenvolvimento de uma região carente, como a Amazônica, ou apenas se tornando cativa de uma empresa privada, supostamente com capital estrangeiro, interessada no negócio.
Negócio este que não é pouca coisa, nem tampouco “baratinha”. Talvez se o mercado pudesse se manifestar numa audiência pública, daria para conferir se a coisa é banal ou não. Por enquanto, só quem senta com Marcos Pontes e a cúpula das Telecomunicações é a direção da empresa Junto Telecom.
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