Por Jeovani Salomão* – As pessoas que participam de reuniões virtuais comigo conhecem minhas preferências pelo Zoom, em detrimento, principalmente, ao Teams da Microsoft. Minha avaliação é que o primeiro possui uma interface mais intuitiva, melhor usabilidade, uma simplicidade que eu aprecio. O segundo tenta ser integrado demais, complica demais, é pesado demais. Tudo é demais no Teams. Em síntese, o time de desenvolvimento do Zoom, para mim, foi mais competente que o da Microsoft.
Certamente, o leitor pode atribuir o sucesso e a imensa valorização da empresa ao excelente produto, mas eu considero que há outro fator mais relevante, a sorte! Se quiser pode chamar de acaso, de aleatoriedade, ou de qualquer outra coisa que explique os desdobramentos dos fatos. Se não houvesse a pandemia, eles não chegariam onde estão. A abrupta mudança do modelo de reuniões, do pessoal para o on-line, era imprevisível e imensurável. Os softwares estavam prontos e com qualidade, mas nenhum plano de negócios poderia prever um evento tão atípico.
Casos mundiais, com cifras de bilhão, são analisados fartamente, mas a realidade dos pequenos negócios, mais comuns e que geram prosperidade na base do tecido social, possuem pouca visibilidade. Por exemplo, eu tenho um conhecido que tem um pequeno supermercado. As coisas não iam lá muito bem, mas vocês podem imaginar que os efeitos da COVID foram muito positivos para ele, sob o estrito aspecto econômico. Existem muitos setores que prosperaram com os acontecimentos recentes, nenhum deles podia prever o que ocorreu. Outros tantos, em maior número, sofreram prejuízos enormes e muitas empresas foram à falência. Por certo, não foi falha nem mérito do planejamento estratégico.
Você pode estar relutando em aceitar o acaso, argumentando que as empresas melhor preparadas estão conseguindo superar os desafios. Apesar de ser verdade, o imponderável influenciou de forma significativa o desempenho geral. Em suma, a questão não é retirar o mérito de quem tem, tão pouco atribuir o sucesso exclusivmanete à sorte, mas sim perceber que é preciso reconhecer que o acaso é um fator relevante das nossas vidas.
A melhor referência que conheço sobre o assunto é o livro “O Andar do Bêbado”, cuja leitura considero imprescindível. O autor, o físico Leonard Mlodinow, que entre outras coisas já colaborou com as séries MacGyver e Jornada das Estrelas, discorre sobre a incidência de fatos aleatórios em nossas vidas e como a maioria das pessoas é incapaz sequer de compreender a realidade. Com base na matemática e estatística, Mldoinow conduz o leitor para a reflexão sobre uma enormidade de situações que desafiam o entendimento geral sobre o mundo.
Um dos capítulos mais interessantes tem o título “Rastreando os caminhos do Sucesso”, nele o autor explora um aspecto extremamente relevante em relação a performance dos executivos. É tentador associar o sucesso ou o fracasso de um empreendimento à habilidade do seu líder. Evidentemente que melhores líderes possuem, em geral, resultados melhores, mas isso pode não ser verdade em casos específicos. Há casos de sucessos explosivos que ocorreriam com um grande espectro de diferentes lideranças, simplesmente porque o acaso bateu à porta. O mesmo vale para o contrário.
Sempre que se observa um pequeno número de eventos, o acaso é um fator relevante. Um acidente automobilístico, isoladamente, pode ser fruto exclusivo de uma situação imponderável, no entanto, motoristas mais prudentes sofrem menos acidentes, caso se analise um grande número de casos.
Qualquer pessoa pode ganhar uma fortuna ou perder o emprego, se estiver no lugar certo (ou errado) na hora certa (ou errada). Conheço vários casos, de um lado e de outro. Há uma anedota interessante no mundo corporativo, que ilustra esse ponto. Uma grande companhia contratou um novo diretor comercial. Ele chegou com a missão de aumentar a força de vendas e os resultados da empresa. Para tanto, foi determinado que deveria contratar novos dez gerentes comerciais. Ele chamou o pessoal de Recursos Humanos e definiu o perfil que queria. Como a situação era muito relevante pediu pelo menos cinquenta currículos que atendessem o desejado. O RH faria a seleção preliminar, entrevistaria os candidatos até que ficassem apenas aqueles equivalentes para a decisão final do diretor. Após a conclusão do trabalho, e considerem que a piada é antiga, o RH levou os cinquenta currículos para o diretor. Ele pegou os currículos e, sob o olhar perplexo do seu interlocutor, retirou dez currículo ao acaso e mandou contratar. Quando foi indagado sobre suas razões, o diretor falou: “Somente trabalha comigo quem tem sorte!” O acaso é poderoso e incompreendido. Avaliar pessoas ou situações isoladas atribuindo os resultados apenas a sorte, azar, habilidades ou comportamentos específicos é, no mínimo, incompleto. É preciso compreender, reconhecer e saber lidar com o acaso. A velha máxima que a sorte é o encontro da preparação com a oportunidade, continua verdadeira. Assim como a frase: “quanto mais eu trabalho, mais sorte eu tenho”. Estar preparado e trabalhar muito são fundamentais, só não se esqueça que você ou seu vizinho podem simplesmente ter ganho na loteria.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.