Segundo a jornalista Andrea Sadi da Globo News, o “Ministério de Justiça prepara uma portaria para obrigar as redes sociais a prevenir a publicação e remover conteúdos sobre os ataques em escolas”, citando como fonte o ministro, Flávio Dino. Em que pesa a boa intenção do ministro e a gravidade da situação, indago qual seria o amparo legal para sustentar essa suposta portaria de pé, se eventualmente ela for questionada pelas plataformas de Internet no Judiciário?
O Artigo 19 do Marco Civil da Internet – que o governo defende que seja mudado, inclusive o ministro – assegura às plataformas que elas somente serão responsabilizadas pelo conteúdo gerado na rede por terceiros, se tiverem recebido uma ordem judicial de remoção e não cumprirem essa determinação.
Já no Artigo 21 as plataformas (provedores de aplicações de internet) poderão ser responsabilizados subsidiariamente por conteúdo gerado por terceiros, se tiverem sido notificados de que está ocorrendo uma violação da intimidade, sem autorização de seus participantes, numa publicação de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado.
O Marco Civil, portanto, foi omisso na responsabilização direta das plataformas da obrigatoriedade de retirar todo o qualquer conteúdo de ódio publicado por terceiros na Internet. Na época, esse discurso de ódio ainda não tinha se disseminado da forma como vemos hoje nas redes, fato que o legislador não atentou para isso.
Se não tem como responsabilizar uma rede social e obrigá-la a impedir a publicação feita por psicopatas que incentivam massacres em escolas, como impedir a propagação desse conteúdo?
Essa é a questão em discussão no momento, mas que o Ministério da Justiça, na sua justa preocupação com o tema, pode estar atropelando a legislação vigente, mesmo sendo ela deficitária. Ao tentar “obrigar” a imediata remoção de um conteúdo com base numa portaria, conforme informação da jornalista Andrea Sadi, a falta de amparo legal pode acabar levando o ministro Flavio Dino a uma derrota no Judiciário. Se as plataformas questionarem essa obrigatoriedade de fazer gerada por uma mera portaria, que atropela sua efetiva responsabilidade jurídica prevista pelo Marco Civil da Internet.
Para o advogado Márcio Chaves, sócio da área de Direito Digital do escritório Almeida Advogados, na atual conjuntura, enquanto não vem uma nova regulamentação das plataformas, o caminho natural seria a busca de um acordo com as empresas para evitar a propagação desse conteúdo.
“Apesar de pelo Marco Civil da Internet a remoção desse tipo de conteúdo só poder ser exigida por ordem judicial, ele não veda a cooperação das plataformas com as autoridades, instrumento válido principalmente em momentos mais sensíveis como os que estamos passando. A cooperação pode até ajudar a garantir a implementação técnica de alguns tipos de filtros de conteúdo e evitar ordens judiciais excessivas ou tecnicamente não implementáveis,” explica.
O Advogado Walter Capanema, diretor de Inovação e Ensino na Smart3 Consultoria e Treinamento por sua vez, entende que mesmo diante da boa intenção ministerial, o problema seria a falta de um embasamento jurídico para se chegar a tanto (a remoção imediata). “Não há uma medida, uma norma, uma lei, que autorize esse tipo de situação. Se você aplica um Ato Administrativo, como um decreto ou portaria, você estará regulamentando. Mas qual a lei que você está regulamentando?”, indaga o Advogado.
Capanema entende que não existe dever de filtragem de conteúdos para os provedores de aplicações nas redes sociais. “Me parece que nesse caso o Ministério da Justiça se baixar essa portaria mandando remover conteúdo estará legislando. Porque o Marco Civil da Internet estabeleceu situações muito específicas para remoção de conteúdo, de forma genérica no Artigo 19 e específica no Artigo 21, que trata de intimidade e nudez”, explica o Advogado, reafirmando a necessidade de uma regulamentação mais clara sobre o papel das plataformas de aplicações na Internet.
O fato é que as redes sociais no Brasil estão tomadas por um discurso de ódio sem precedentes. Mas sem um aparato legal que seja claro, que obrigue as plataformas a se dobrarem e se engajarem no combate ao extremismo digital, que já está ocorrendo no mundo real, não há como obrigá-las a remover conteúdos fora das linhas delimitadas pelo Marco Civil da Internet.
É preciso que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário parem de travar um debate público na Internet e de agir pontualmente com base apenas em respostas ao que vem das redes sociais. Precisam decidir imediatamente pela aprovação um novo arcabouço legal para o país. Antes que outro psicopata faça um ataque. Mas só que da próxima vez a um posto de Saúde, por exemplo.
*O que está claro para esse blog é que não dá para os três poderes agirem apenas com base na agenda diária imposta por esses malucos na Internet. Se for esse o caminho, então que se preparem para assinar uma enxurrada de “portarias” regulando o que pode ou não fazer na Internet e torcer para elas não caiam por falta de amparo em algum tribunal.