
O delegado-chefe da Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC) da Polícia Civil do Distrito Federal, João Guilherme Medeiros Carvalho, defendeu no Congresso uma reforma urgente na legislação penal para enfrentar a explosão de crimes de abuso sexual infantil na internet. Segundo ele, os casos investigados pela unidade mostram uma “realidade aterradora” e confirmam que “o perigo não está mais nas ruas, mas dentro de casa, na tela do celular”.
“Quando nos deparamos com abuso sexual infantil, damos prioridade zero. Nenhum outro crime passa na frente. O trauma é eterno. E a cada operação vemos crianças sendo reduzidas à condição de escravas por criminosos que se escondem atrás de telas”, afirmou o delegado.
Carvalho relatou casos recentes em que crianças foram coagidas por criminosos que utilizam dados vazados para chantagear vítimas após receberem uma imagem íntima. Em alguns episódios, os agressores obrigam as vítimas a cometer atos de automutilação e estupro virtual, inclusive sob comando em tempo real.
“Em um caso, uma menina foi compelida a tomar água sanitária e introduzir uma faca em suas partes íntimas. Isso acontece diariamente, e ainda não temos tipos penais adequados para punir essas condutas”, disse.
O delegado citou que grupos de automutilação, aliciamento e exploração sexual operam em aplicativos e jogos online, atraindo menores com links falsos e convites.
Tipificação de novos crimes e endurecimento de penas
Entre as propostas apresentadas, Carvalho destacou a necessidade de criação de novos tipos penais específicos para práticas que hoje ficam em zonas cinzentas da legislação:
- Estupro virtual – quando a vítima é forçada a praticar em si atos libidinosos;
- Transmissão ao vivo de abusos envolvendo crianças e adolescentes;
- Extorsão sexual digital (sextorsão);
- Criação e difusão de imagens sintéticas (deepfakes) de menores com fins pornográficos;
- Automutilação virtual e indução digital ao suicídio;
- Proposta virtual de encontro sexual presencial (grooming);
- Promoção ou lucro com turismo sexual virtual;
- Criminalização da difusão de conteúdo pornográfico infantil por inteligência artificial.
“São condutas que ocorrem todos os dias, mas a polícia ainda precisa enquadrá-las em artigos genéricos. Isso atrasa a persecução penal e gera impunidade”, alertou.
O delegado defendeu também mudanças processuais para garantir celeridade na identificação de autores. Ele propôs que delegados possam solicitar diretamente dados de IP e registros de conexão, com controle judicial posterior, garantindo rapidez sem comprometer a legalidade.
“Se um delegado pode prender em flagrante, e a liberdade é o bem jurídico mais valioso, por que não pode requisitar um IP com controle posterior? O IP não invade a intimidade como uma interceptação telefônica. É dado técnico, essencial à investigação”, argumentou.
Carvalho também defendeu a regulamentação legal das requisições emergenciais de dados, usadas hoje com base em normas estrangeiras, que já ajudaram a prevenir atentados a escolas no Brasil.
O delegado sugeriu criar mecanismo de bloqueio preventivo de sites com pornografia infantil, mediante notificação policial e reapreciação judicial posterior, além da obrigatoriedade de provedores reportarem automaticamente ao poder público o envio de conteúdos abusivos, à semelhança do modelo norte-americano em que as plataformas notificam o NCMEC (National Center for Missing & Exploited Children).
Falhas do ECA
Carvalho apontou inconsistências na redação do artigo 241-D do ECA, que trata do aliciamento de crianças, mas não menciona adolescentes — uma lacuna que, segundo ele, “compromete a tipicidade plena e inviabiliza condenações”.
“A reserva legal exige precisão. Se o texto da lei é falho, o criminoso se beneficia. É preciso ajustar e incluir o termo adolescente, além de ampliar o alcance da norma”, afirmou.
Ele também sugeriu elevar a pena do artigo 241-B (armazenamento de material de abuso sexual infantil) de até 4 anos para até 5 anos, permitindo a prisão preventiva.
Por fim, o delegado defendeu a criação de um sistema único de cooperação entre as polícias cibernéticas estaduais e a Polícia Federal, com intercâmbio automatizado de informações e protocolos uniformes. “Não podemos continuar com investigações isoladas. Precisamos de interoperabilidade, de um comitê nacional que una esforços e compartilhe dados em tempo real”, propôs.
Carvalho concluiu lembrando que o Brasil precisa agir com a mesma rapidez dos criminosos digitais: “Esses crimes são transnacionais, acontecem em minutos e deixam marcas para sempre. A legislação e as instituições não podem continuar reagindo em câmera lenta.”
O representante da Polícia Civil do DF participou de audiência pública sobre o tema: “Reforma da Legislação Penal, Processual Penal e repressão aos crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes”, promovida pelo Grupo de Trabalho da Câmara destinado a “Estudar e Propor soluções Legislativas acerca da Proteção de Crianças e Adolescentes em Ambiente Digital”.







