Por Jeovani Salomão* – Brasília completou 61 anos. Os nascidos aqui, como é o meu caso, ou aqueles que adotaram a capital como sua cidade, possivelmente, consideram Juscelino Kubitschek como o responsável pela criação desta maravilha e, portanto, um grande herói. Sem ele, não haveria as belezas que tanto amamos e que fazem parte das nossas vidas. Embora seja verdade, a história começou muito antes e acumula diversos personagens, episódios intrigantes e disputas políticas. O mais importante, pelo menos para o efeito deste artigo, é constatar que antes da nossa querida capital se materializar, houve a compreensão da necessidade de interiorizar o desenvolvimento do Brasil. Primeiro um sonho, depois um conceito e a apenas depois uma obra.
Segundo alguns historiadores, Marques de Pombal foi o primeiro a reconhecer a relevância do planalto central e, em virtude disso, em 1751, iniciou esforços para a transferência da capital. Há também a hipótese na qual os inconfidentes mineiros, em 1789, lutaram para trazer a capital para seu estado, mais especificamente para São João Del Rey. Não se pode deixar de mencionar, o suposto sonho de Dom Bosco, o qual, inclusive, alguns sustentam que definitivamente não guardava qualquer ligação com Brasília, mas que foi utilizado como argumento para convencer o nosso povo religioso.
Aparentemente, entre 1809 e 1822 foram registrados manifestos em defesa da mudança para o interior. Em 1823, José Bonifácio foi um defensor da ideia a qual, infelizmente, não foi incorporada na constituição de 1824. Já na constituição de 1891, finalmente, o desejo ganhou forma:
Art 3º – Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital federal.
Parágrafo único – Efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado.
Desse momento até a decisão de JK, ainda ocorreram muitas idas e vindas com defesas de interesses dos mais diversos. Afinal, mudar o centro das decisões de localidade não é algo que agrade a todos, mesmo que sejam devidamente comprovadas as vantagens para a nação.
Inegável que a cidade em forma de avião foi fundada com um objetivo primário bem definido, ser a sede dos poderes que governam nosso país. Daqui emanam as leis, as políticas públicas e as decisões mais relevantes que determinam os rumos da nossa federação. Não se pode deixar de reconhecer, entretanto, que a capital, como qualquer metrópole, ganhou vida própria e desenvolveu outras vocações.
A propósito, o poder público não pode sustentar uma cidade com mais de 3 milhões de habitantes (ou mais de 4,5 milhões a se considerar o entorno que possui forte dependência de Brasília), que fora projetada para abrigar apenas 500 mil moradores. Precisamos estabelecer novas competências que redirecionem o eixo econômico da cidade.
Por diversas limitações, e também pelo desejo dos brasilienses, não se pode trazer para cá qualquer tipo de atividade. Sonhamos com uma indústria limpa, baseada em conhecimento, capaz de gerar riquezas, emprego e renda, preservando o desejo de um padrão internacional de qualidade de vida. Falando desta forma, parece óbvio e ululante investir em um setor como o da tecnologia da informação.
As condições para tanto, estão presentes. O Governo Federal tem o poder de fazer investimentos substantivos, formular políticas de incentivo e atrair pessoas altamente qualificadas (infelizmente atrai também alguns poucos mal-intencionados, incompetentes e corruptos). Temos um padrão de ensino de boa qualidade, com várias entidades de nível superior bem avaliadas, um dos maiores números de mestres e doutores per capita, empreendedores capazes e empresas com grande potencial.
Infelizmente, daqueles que elegemos para liderar a cidade, bem como os que os cercam, raros chegaram a compreender o setor, suas necessidades, sua importância e seu gigante potencial. Por óbvio, existem honrosas exceções, que vou preferir omitir, para não transformar este texto em um debate sobre política. Esta inaptidão, por exemplo, ao invés de nos conduzir para um projeto grandioso e internacional de Parque Tecnológico, como idealizado por lideranças locais, das quais destaco o saudoso e genial Antônio Fábio Ribeiro, nos levou para o Biotic, um projeto que afastou o setor produtivo em sua fase de concepção e tem pouca expressão se comparado com o potencial local.
Recentemente, participei do lançamento virtual do livro Ponte para a Inovação: como criar um ecossistema empreendedor, organizado pelo meu amigo Daniel Leipnitz, ex-presidente da ACATE, com o qual tive o prazer de lutar ombro a ombro em vários debates nacionais em favor do setor, e Rodrigo Lóssio. Na primorosa obra – estou ansioso para receber meu exemplar já comprado – 32 autores contam como Santa Catarina conseguiu desenvolver um dos mais promissores ecossistemas de inovação do Brasil. Juntamente com outros casos brasileiros, dentre eles o do Porto Digital de Recife, o exemplo da ilha precisa ser seguido por mais localidades. É preciso ter a humildade de aprender com aqueles que já fizeram e estão tendo sucesso.
Assim como a transferência da capital para o planalto central, a vocação de transformar nossa cidade em um expoente da tecnologia da informação começou com um sonho. É preciso, neste momento, que cada um que possui capacidade de influência – em especial nossos governantes- compreenda o conceito, para que assim possamos criar uma obra do tamanho que Brasília merece. Espero, apenas, que não demore 2 séculos.
*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.