Por Jeovani Salomão* – Sempre que escrevo sobre a covid, sinto-me na obrigação de solidarizar com cada um que foi alvo, direta ou indiretamente, da doença. Neste exato momento, tenho amigos, parentes de amigos e uma colaboradora internados. A eles desejo a mais plena recuperação. Assim como a maioria, perdi pessoas próximas e amadas. Gostaria de acreditar, pelo menos, que enquanto civilização tenhamos evoluído a patamares superiores de colaboração, solidariedade, responsabilidade e cuidado para com o próximo.
De fato, percebo alguns avanços, mas também tenho visto situações ultrajantes como o uso da crise para corrupção, promoção política e jogos de poder. Além de situações em que a ignorância negacionista está superando o conhecimento científico, como no caso dos Estados Unidos. Apesar do imenso volume de dinheiro investido na compra, distribuição e montagem de uma estrutura com grande capilaridade para imunizar a população, o país está apenas em 20º lugar em um ranking relativo ao percentual de pessoas vacinadas, em um patamar de 63,8%, contra, por exemplo, 67,5% do Brasil, que ocupa o 15º lugar da mesma lista, desenvolvida em uma parceria entre informationisbeatiful, Univers Labs e Nueker, que pode ser consultada pelo site https://informationisbeautiful.net/visualizations/covid-19-coronavirus-infographic-datapack/.
Por aqui, investimos bem menos, patinamos bastante no início, mas felizmente a atuação dos órgãos federais, as gestões estaduais e municipais melhoraram, além do relevantíssimo fator do comportamento da população a qual está consciente e colaborando. Louvável também mencionar o desempenho de movimentos voluntários individuais e corporativos, como o “Unidos pela Vacina” liderado pela Luiza Helena Trajano. O resultado é que temos diminuído o caso de mortes diárias a níveis menores do que a poderosa nação norte-americana, assim como temos tido patamares inferiores de novos infectados.
Uma preocupação presente advém das novas cepas, até porque não necessariamente a eficácia das vacinas é mantida quando ocorrem variações. Importante compreender, no entanto, que a tendência do vírus é se transformar para ser mais contagioso e menos letal. Os seres vivos possuem como premissa elementar a perpetuação da espécie. Segundo a teoria de Darwin, os organismos mais bem adaptados prevalecem. Ao pensarmos nas mutações sofridas pelo patógeno da covid, é razoavelmente claro concluir que variações mais mortíferas têm possibilidades menores de se perpetuar do que aquelas que mantém o hospedeiro vivo e apto a contagiar a outros.
O “melhor” vírus, considerando a perspectiva do próprio, não é, portanto, aquele que se reproduz mais rapidamente e com alto poder de infecção. A eficiência não é sinônimo de sobrevivência. A seleção natural, no caso, prestigia uma taxa “correta” de reprodução na qual seja possível manter o paciente vivo a ponto de ele transmitir o agente da doença para o maior número possível de outros indivíduos.
Está é uma lição com origem biológica, mas pode ser extrapolada para diversas áreas. No caso do comércio eletrônico, o Ifood está fazendo justamente o que fazem os vírus mais letais. Com grande sede pelo lucro, tem cobrado taxas altíssimas dos restaurantes, colocado os profissionais de entrega em situações limítrofes e criado uma situação na qual os estabelecimentos se transformaram em reféns.
O negócio continua prosperando porque é altamente conveniente para o consumidor, o qual não faz ideia do que se passa nos bastidores, simplesmente consegue ter a comida que quer, em casa, com preços atrativos, com acesso a diversas promoções, novidades e variedades.
Os comerciantes do setor de alimentação, no entanto, estão em busca de alternativas. Caso a empresa não perceba que está matando seus “hospedeiros”, em breve será superada por alguma outra concorrente menos “eficiente”.
A proliferação de fake news segue uma lógica semelhante. Na guerra das comunicações, em especial em um quadro de polarização extrema que se delineia para as eleições do próximo ano, os criadores e seguidores de “notícias” estão ficando cada vez mais radicais. Ocorre que quando a informação chega de forma muito parcial – na ideia de quem a projetou muito eficiente na defesa dos seus próprios interesses -, ela não é mais consumida por aqueles que não fazem parte dos apoiadores incondicionais. Com isto, a propaganda “mata” (exclui) muitos leitores que não a propagam porque compreendem sua tendenciosidade. Isto está provocando a diminuição do alcance desejado do marketing e segmentando os grupos de relacionamento, virtuais e presenciais.
As mutações virais são fruto do acaso e a definição daquelas que irão prosperar ocorre por seleção natural do meio ambiente. Uma empresa, um software ou uma fake news podem ter mais ou menos sucesso em função do seu desempenho no meio no qual se desenvolvem, quase como em uma seleção natural. Mas modificações no comportamento humano, seja no âmbito estritamente pessoal, ou quando extrapolam para as organizações, dependem de ações deliberadas. Desta forma, insisto em um pedido que tenho feito rotineiramente para que cada um de nós seja mais consciente, equilibrado e respeitoso para com o próximo neste cenário tão complexo em que vivemos.
*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA, Membro do conselho na Oraex Cloud Consulting, ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional e escritor do Livro “O Futuro é analógico”.