Por Jeovani Salomão* – Compreender a vida é muito mais simples quando se domina a matemática. Várias situações cotidianas dependem de habilidades básicas como contar, fazer contas, entender percentuais e a ordem de grandeza dos números. Conceitos mais avançados, como calcular probabilidades e entender o que são e para que servem as funções, têm muita utilidade e poderiam ajudar em discussões nacionais, como é o caso da presente proposta de inserção de um dispositivo para imprimir os votos da urna eletrônica.
Antes de adentrar no debate em si, vamos repassar alguns conceitos, de forma simples, para construir premissas mais consistentes em relação ao tema. Um primeiro ponto relevante é que a matemática é constante, regular, estável. Desde que você aprendeu a tabuada até agora, multiplicar dois números sempre apresenta o mesmo resultado. Por exemplo, 3 x 5 = 15, foi ontem, é hoje, será amanhã ou daqui a 1.000.000 de anos, seja na terra, na lua, em marte ou fora do sistema solar, o resultado é sempre igual.
Sendo assim, imagine uma discussão onde um comprador rejeita receber um lote de produtos no dia seguinte por duvidar das contas.
– Você tem que me entregar os produtos hoje, porque eu contei. São 50 colunas de galão por 5 filas, ou seja, 250 galões.
– Mas por qual razão? Hoje não consigo, mas entrego amanhã.
– Amanhã é complicado, porque eu não vou ter tempo de contar de novo.
– Mas basta multiplicar 50 x 5!
– Não, não, ninguém me garante que amanhã 50 x 5 vai ser 250!!!!
Um absurdo, não é?
Vamos para outra situação, os números são infinitos, todos já ouvimos isto desde sempre. Com um pouco de raciocínio lógico, mesmo que não se tenha familiaridade com a matemática, é possível provar esta tese. Imagine um número enorme, aquele que seria o maior de todos. Imaginou? Agora some 1, você terá um número ainda maior. Observe que não importa quão grande seja sua imaginação, você sempre pode somar 1 ao número escolhido. Ou seja, não há um algarismo que seja o maior de todos, a sequência não tem fim e por isso é infinita.
Uma vez que já concluímos que tal premissa é verdadeira, vamos passar para outro diálogo:
– Oi amigo, tudo bem? Você leu o artigo do Jeovani sobre a matemática?
– Li sim. Ele demonstrou que os números são infinitos! Eu já tinha ouvido falar, mas não sabia como demonstrar. Agora eu sei!
– Pois é, eu li também, mas eu sou que nem São Tomé: Tenho que ver para crer!
– E o que significa isso?
– Só vou acreditar que são infinitos, depois que alguém conseguir imprimir tudo no papel e me mostrar!!!!!
Mais um absurdo, não é? Se não termina, como se pode representar em um papel? Contradição absoluta.
Vamos avançar um pouco mais, para introduzir o conceito do que é uma função matemática. Uma função corresponde a uma associação entre dois conjuntos, por meio de uma regra que garanta que um elemento do primeiro conjunto pode se associar a apenas um único elemento de um outro conjunto.
Nos dois primeiros exemplos, cada elemento do conjunto A se associa a um único elemento do conjunto B, enquanto no terceiro caso, um elemento se associa a dois elementos do conjunto B, motivo pelo qual não é considerado função, pois uma mesma origem não pode gerar duas respostas diferentes. Em outras palavras, a regra estabelecida tem que garantir a mesma resposta quando um elemento for introduzido na função. Quando se liga para um número de celular, a ligação precisa achar sempre a mesma pessoa. A regra que conecta o número à pessoa deve ser estável e constante. E é assim com a função, ela se comporta sempre da mesma forma.
– Mãe, eu quero o número 68
– Mas filho, não vai nem olhar o cardápio?
– Não precisa, já sei que quero o 68.
– Garçom! Por favor, o cardápio mudou? A mãe pergunta
– Não, senhora, continua o atendente. A senhora quer que eu peça o 68 para o seu filho?
– Não! Quero ver o cardápio, ele é alérgico e pode ser que o 68 esteja associado a um prato diferente hoje, mesmo o cardápio não tendo mudado.
Outro absurdo, porque a associação entre o número e o prato em um cardápio é uma função e as funções sempre operam de forma constante.
Avançando para o mundo da tecnologia, vamos traçar um paralelo entre uma função e um algoritmo. Da mesma maneira que as contas aritméticas básicas, tanto as funções como os algoritmos têm a virtude de se comportar da mesma forma.
Um algoritmo é uma sequência de regras encadeadas construídas para resolver um problema. Ao contrário do que se possa imaginar, pode ou não ser um código de computador, mas sempre é padronizado, repetitivo, regular, como as funções. Caso uma receita de bolo seja seguida na íntegra ela é um algoritmo. Quando se coloca um algoritmo bem escrito em um computador, ele exerce suas características em sua plenitude. Não há ambiguidade ou comportamentos anômalos.
Em meu primeiro estágio na área de tecnologia, eu criei um programa, um conjunto de algoritmos, para calcular as prestações de empréstimos imobiliários. Desde aquela época, havia dois modelos predominantes, a tabela SAC e a PRICE. Assim que o cliente assinava seu contrato, definindo sua opção, meu programa calculava todas as parcelas e como seriam efetuadas as amortizações, a incidência de juros, etc. Se eu me utilizar do mesmo programa hoje, 30 anos depois, ele vai proceder exatamente igual. Porque os algoritmos se comportam sempre da mesma forma.
Depois de toda esta explicação, vamos voltar para votação eletrônica. Está em discussão no congresso uma alteração na Constituição para que se acrescente ao equipamento atual uma impressora, com o mote de permitir ao eleitor a conferência do seu voto. Um dos argumentos, é justamente garantir que a eleição seja passível de auditoria. Conforme já expliquei em meu livro “O Futuro é Analógico”, este penduricalho somente fragilizaria um processo que é robusto, seguro e nunca foi fraudado.
Já tendo anteriormente discorrido de forma mais geral sobre o assunto, este artigo se restringirá à questão da auditoria. Quando o eleitor vota na urna, ele está acionando um algoritmo que está instalado no dispositivo. A cada interação, o algoritmo deposita a escolha efetuada em um banco de dados, o qual será posteriormente remetido para uma totalização, após vários procedimentos de segurança. Como todo e qualquer algoritmo, este também se comporta de forma padronizada, dando sempre as mesmas respostas.
Antes do dito cujo funcionar na eleição, ele é submetido a testes rigorosos por profissionais dos tribunais eleitorais, por terceiros, por especialistas, por universidades e pelos partidos políticos. A integralidade dos atores, ano após ano, atesta que o algoritmo funciona adequadamente, dentro de condições exatamente iguais a aquelas encontradas no dia “D”.
Possivelmente, caso você tenha chegado até aqui, já compreendeu que a matemática, as funções e os algoritmos são estáveis. Funcionam sempre da mesma forma, considerados os mesmos parâmetros. Em síntese, a auditoria efetuada em cada eleição é rigorosa, extensa, exaustiva e garante que os softwares utilizados funcionam exatamente como o esperado. Tanto é assim, que até hoje nenhuma fraude foi comprovada.
Evidentemente, os mais atentos, podem estar fazendo uma pergunta pertinente. Quem garante que o algoritmo que foi testado previamente é o mesmo que está na urna no dia da eleição?
Um primeiro aspecto relevante é que a urna funciona completamente isolada. Sem nenhuma conexão com a internet, outras urnas ou sistemas de qualquer natureza. Uma alteração de código teria que ocorrer no próprio dispositivo. Mesmo que fosse possível, duvido que alguém conseguisse alterar 500 mil urnas simultaneamente.
Mas e se na inserção oficial do programa, que deve ter um procedimento padronizado e mais amplo, houver a mudança do código?
Sem contar com os inúmeros fatores de segurança desta fase específica, no dia anterior à eleição, diversas urnas por estado são sorteadas para fiscalização, com o acompanhamento dos partidos políticos. O que significa que se uma adulteração geral foi conseguida, contra todas as probabilidades, ela será descoberta imediatamente por meio dos testes dos equipamentos recolhidos. Além disso, as urnas continuam disponíveis por 60 dias, intactas, para auditoria por parte dos partidos.
Temos o melhor processo eleitoral do mundo. Seguro, confiável, rápido e auditado a cada pleito eleitoral. Introduzir um novo apetrecho tão somente porque algumas pessoas não compreendem a lógica do sistema é um grande absurdo. Amplia os pontos onde se pode fraudar, traz elementos mecânicos, muito mais suscetíveis a falhas para o procedimento, cria situações para tumultuar (basta organizar um grupo de militantes para dizer que seu voto impresso não é o mesmo que apareceu na tela) e aumenta os custos eleitorais. O melhor seria investir em matemática para que os leigos compreendam que os algoritmos são bem-comportados e confiáveis.
*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.