Lula já virou garoto propaganda da Starlink sem saber

O lançamento da Infovia 01 semana passada em Santarém, no Pará, que contou com a presença do presidente Lula, alguns ministros e boa parte do meio político paraense, teve um fato ocorrido nos bastidores que provavelmente não foi contado para ele. Lula visitou o Navio Hospital Escola Abaré e presenciou uma “live” com alguns postos de saúde da região amazônica. Todos conectados às pressas com sinal de satélite de baixa órbita pela Starlink, do empresário Elon Musk, um notório simpatizante da extrema-direita norte-americana e também da brasileira.

Aqui a empresa vem contando com pesado lobby dentro do governo para ser a escolhida no projeto de conectividade escolar. Mas ainda não foi anunciada, porque tal anúncio pode pegar mal em alguns setores do PT. Está sendo preciso, primeiro, quebrar a resistência política e nada melhor do que envolver o presidente da República no assunto.

O objetivo do evento de Santarém foi claro: convencer o presidente sobre a importância de se levar a Internet para as áreas remotas e pobres do país, mas sem dizer à ele exatamente como, já que não havia nenhuma participação da Infovia que ele foi inaugurar, nesse caso. Mostraram à ele os benefícios do serviço de telemedicina numa região que é carente de conectividade e profissionais de saúde. Deu certo.

“Quando começou a se falar em telemedicina, houve um tempo em que eu também tinha dúvidas se daria certo ou não. Eu ficava imaginando: ‘a gente fica prometendo levar para o povo ribeirinho, para os indígenas, para as pessoas que moram nos lugares mais distantes do país, que a gente vai levar os melhores médicos (…). Eu tenho dúvida se isso vai dar certo’ e agora estou sentado em frente a pessoas que estão provando que dá certo”, disse o presidente após a demonstração do navio Abaré.

Emergência

A presença da Starlink não foi por acaso. Deliberadamente o Ministério das Comunicações, através da RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, chamou a Starlink para prestar emergencialmente o serviço de conexão via satélite para o navio poder se comunicar com outras unidades de saúde. Podiam ter chamado a Telebras ou qualquer empresa de telefonia móvel para prestar o serviço de conexão, como já ocorreu em outros eventos? Sim.

Só que dessa vez criaram uma falsa “demanda emergencial” para chamar a Starlink, que atuou perfeitamente e pela primeira vez com a conectividade num governo de centro-esquerda. Fica a dúvida se provavelmente ela não sofreria resistências à escolha caso o assunto fosse público.

A empresa aceitou fazer o serviço sem nenhuma promoção ou atuação de marketing. Nem tampouco se sabe se houve alguma aproximação com o presidente da República. Ali a estratégia era outra.

Mas topou de imediato fazer parte de um lobby pesado que vem ocorrendo dentro de alguns setores do governo, pela escolha imediata dela para conectar 8.365 escolas públicas que ainda não dispõem de acesso à Internet em todo o país. Deste total, 5.432 escolas estão na Região Norte. O custo estimado para o cumprimento dessa tarefa nos cálculos da EACE (Entidade Administradora da Conectividade de Escolas) seria da ordem de R$ 1,032 bilhão. (Leia a reportagem no link abaixo):

Lula foi recebido no Navio Hospital Escola Abaré pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, além de outros ministros que foram ao Pará com o presidente para a cerimônia de inauguração da Infovia 01. Entre eles, Juscelino Filho, das Comunicações. Além dele, da área Comunicações estavam presentes no Pará – mas sem participar da parte da solenidade referente ao navio – o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, o da Telebras, Frederico Filho e o secretário de Telecomunicações, Maximiliano Martinhão.

Ninguém procurado oficialmente disse ter tomado a decisão de chamar a Starlink. Pasmem, a versão é de que a RNP foi chamada para resolver o problema de última hora e coube à ela convidar a empresa de Musk.

Politização

Está claro que a banda “Centrão” do Governo Lula vem trabalhando ativamente para a contratação da Starlink, antes que outras operadoras de satélite passem a atuar no mercado brasileiro. Porém há um problema de se escolher essa empresa. Neste momento, enquanto as outras não entram efetivamente em operação após terem recebido autorização da Anatel, a contratação direta da Starlink poderia ser interpretada como um direcionamento para a empresa.

O segundo problema seria a escolha política em si. Elon Musk nunca disfarçou o seu posicionamento político para a extrema-direita norte-americana e, no Brasil, participou de eventos com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Na época o então ministro das Comunicações, Fabio Faria, chegou a promover um encontro entre Bolsonaro e Musk no interior de São Paulo.

Depois criou um projeto piloto no Amazonas em escolas, para demonstrar a capacidade da Starlink de atender a esse segmento como política pública. O evento contou com executivos da empresa e teve até uma “live” com o empresário, que não pode vir ao Brasil para a inauguração do projeto piloto.

O problema da conectividade na região amazônica é sério. Mas ainda não ficou claro se a opção satélite de baixa órbita seria a única solução. Aparentemente não é, já que o governo pretende criar oito infovias na região, nas áreas ribeirinhas. O que ainda precisa ser discutido de forma mais clara é se a interiorização do sinal tem de ser por satélite ou se poderia ser feita por onda de rádio, por exemplo. Ou através dos linhões de energia elétrica por onde passariam os cabos de fibras ópticas. Estudos que esclareçam essas dúvidas e o custo de cada proposta até agora não foram apresentados.

Já com relação ao PT, o partido precisa definir até que ponto o viés ideológico contaria na discussão de uma política pública. Musk é da extrema-direita, não há dúvidas. Mas como fica o povo da região Norte neste caso?

*Eles esperam, sabe-se lá até quando, que outras empresas entrem em operação?

(Com informações do Poder 360 e Foto principal: Presidência da República – Ricardo Stuckert)