O presidente Lula prometeu e cumpriu no início do seu mandato reativar a fábrica de chips Ceitec. Uma empresa estatal que por pouco foi extinta no Governo Bolsonaro, com o parecer favorável do Tribunal de Contas da União. Um ano e oito meses depois, a fábrica continua como foi encontrada por ele no início do seu terceiro mandato: parada, sem um rumo claro e um aporte financeiro do MCTI de apenas R$ 20 milhões. Enquanto isso, em apenas três meses, o MCTI foi capaz de lançar um Plano Brasileiro de Inteligência Artificial em que irá consumir R$ 23 bilhões, até 2028.
Coincidência ou não, no mesmo dia em que Lula faz o lançamento oficial do plano de IA, o presidente da Ceitec, Augusto Cesar Gadelha Vieira, mostrou a sua insatisfação num painel sobre o programa de semicondutores do governo com o seguinte desabafo: “Falta decisão política. Não estou falando de líder político ou de partido político. Estou falando da nação. Não há uma percepção da nação sobre a importância dos semicondutores para a sociedade”, disparou ele.
Não foi normal o comportamento de Gadelha. Há anos ele vem ocupando cargos de relevância no governo, mas nunca foi de emitir opiniões pessoais sobre assuntos de governo. Talvez a reação dele, ocorrida no mesmo dia da abertura 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, feita pelo presidente Lula, tenha sido a “gota d’água” na sua santa paciência e capacidade de engolir sapos.
Provavelmente soltou a língua, após tomar conhecimento, por exemplo, que o Brasil gastará R$ 1,8 bilhão apenas com dois supercomputadores, enquanto que por uma quantia irrisória, de alguns milhões de reais, poderia colocar a estatal do chip operacional, para atuar em temas estratégicos para o país como a transição energética.
O descontentamento do presidente da Ceitec faz sentido, porque uma nova janela de oportunidades na área de semicondutores está se abrindo para o Brasil, com a produção de chips que não estão no topo do desenvolvimento tecnológico – são de médio desempenho – mas que ainda continuam altamente demandados no mercado brasileiro e mundial para a utilização em projetos de eletrificação veicular, algumas aplicações em IoT, descarbonização e transição enérgética.
O desabafo ocorreu no painel: “Desafios e Perspectivas para a Indústria de Semicondutores no Brasil”. Após fazer uma análise da política de semicondutores, reclamou da falta de decisão para se definir o papel da estatal do chip no mercado de semicondutores.
Participaram do mesmo debate, a representante da empresa SBMicro, Linnyer Beatrys Ruiz Aylon, Henrique Miguel (MCTI) e Murilo Pessati da ABISEMI – entidade que mais defendeu a extinção da Ceitec durante o Governo Bolsonaro. Todos ouviram calados o desabafo de Gadelha.
Mas o presidente da Ceitec não ficou apenas na reclamação. Também apresentou propostas para a definição de uma política industrial que o país deveria adotar no processo de fabricação de chips de médio desempenho. Chegou até a defender, por exemplo, a criação de um marco regulatório voltado para o setor de semicondutores, que denominou de “Brazil Chip Act”:
O fato é que a Ceitec continua no limbo político, enquanto alguns próceres dentro e foa do governo já articulam um meio, um argumento, para tentar convencer o presidente Lula, de que o melhor caminho seria vender o controle societário da fábrica para um grande fabricante mundial. De preferência, um norte-americano. Só falta quem tenha coragem para ficar na frente do presidente e apresentar a proposta.