“Inteligência Artificial Badalativa”

Por Luiz Queiroz* – É impressão minha ou um seleto grupo de advogados, que até então vivia orbitando as três esferas do poder em Brasília, se apresentando nas redes sociais como “especialistas em LGPD”, do dia para a noite virou “especialistas em Inteligência Artificial”?

Pela quantidade de fotos que já pululam as redes sociais, já dá para inferir que a IA virou uma nova espectativa para grandes negócios de renomados advogados e seus escritórios de Advocacia. Talvez isso ocorra pelo fato de que a LGPD vem caindo nas garras do esquecimento, já não é mais aquele “bicho papão”, em virtude da total inoperância da ANPD. O regulador vem demorando para mostrar os dentes. E nas raras oportunidades que fez, todo mundo reparou que eram apenas dentes de leite.

Nos últimos meses o que interessou para a autarquia foi fazer lobby para garantir a coordenação da discussão da implantação da IA no Brasil. Ok, vem conseguindo isso no Senado Federal. Mas exatamente para quê a ANPD, que depois de todos esses anos nem foi capaz de regulamentar a LGPD, quer agora se envolver com a coordenação da implantação da IA no Brasil?

Certamente irão me responder: “claro, seu idiota, a IA envolve o uso massivo e indiscriminado de dados”.

Tudo bem, isso é um fato. Mas até hoje a ANPD não foi capaz de informar ou apresentar a responsabilidade do Datasus por um mega vazamento de dados; não tem estrutura alguma para fiscalizar; nunca tomou a iniciativa de acompanhar o uso massivo de dados pessoais pelas plataformas de redes sociais, vai querer agora coordenar a implantação da IA?

Esses desvios de foco na discussão acabam por criar a surreal situação em que advogados, burocratas, legisladores, jornalistas, entre outros profissionais, falam mais sobre Inteligência Artificial (assim como falavam sobre proteção de dados); do que aqueles que efetivamente estão pondo a mão na massa do seu desenvolvimento e poderiam estar contribuindo para mostar as possibilidades e implicações do seu uso. A meu modo de ver, parece que estão definindo a utilidade de um parafuso, sem exatamente ouvir aqueles que teriam a dizer sobre onde poderiam encaixá-lo.

Talvez surja daí a oportunidade de muitos se reposicionarem no pujante mercado da autopromoção proporcionado pelas redes sociais e sua capacidade de arrancar “joinhas” de quem avalia o profissional pela forma como ele gosta de aparecer. O Brasil nessa área é um país inovador. Arrisco até a dizer que, sem perceber, criamos a “Inteligência Artificial Badalativa”.

Não é à toa que de dez e-mails que recebo de assessorias de imprensa, com alguém querendo palpitar sobre as implicações da IA no nosso dia a dia; nove vem de gente que nunca redigiu uma linha de código e sequer saberia dizer sobre o que aquela linha seria capaz de fazer – se já não vem fazendo – na vida de um ser humano.

Não estou dizendo que se deve deixar apenas para o profissional de TI ou legislador, pensarem as implicações éticas, morais, comerciais, industriais, religiosas, sociais – seja lá o que for – do uso da Inteligência Artificial no Brasil.

Todos os setores devem contribuir para essa discussão. Porém ela não deve estar encerrada, fechada no texto de uma legislação. Pois a inteligência artificial está em constante desenvolvimento e certamente em alguns meses aquilo que foi pensado sobre ela para se ter no texto de uma lei já estará ultrapassado, obsoleto.

Senhores, vamos combinar: badalem bastante nas redes sociais, mas não queiram ser protagonistas do engessamento da IA em quarenta artigos de uma lei. Debatam os princípios éticos e morais dela, nos esclareçam sobre o conteúdo e seus impactos sociais, econômicos ou financeiros embutidos em determinada aplicação, mas não inibam a sua implantação.

*Luiz Queiroz é jornalista e autor desse blog.