Por Nelson Fujimoto* – ” Apesar de estarem aparentemente em dimensões diferenciadas, o setor energético terá uma interação cada vez maior com as tecnologias advindas da indústria 4.0 e já apresentam importantes características similares”
Os avanços tecnológicos na área digital tem impactado cada vez mais a vida de todos, seja num simples ato de utilização de um serviço de transporte individual por aplicativo de celular até numa complexa operação de construção de um avião, a utilização de inteligência artificial se tornará cada vez mais presente em nossas vidas. Vemos hoje uma expansão acelerada de tecnologias disruptivas em países avançados, onde a digitalização, conectividade, automação, inteligência artificial, uso massivo de sensores, robôs, realidade virtual aumentada, impressoras 3D, entre outras tecnologias, irão desestruturar e desarticular a indústria tal como a conhecemos hoje.
A indústria do futuro tem sido alvo prioritário de governos de alguns países, dentre os quais destacam-se: a “Industrie 4.0” na Alemanha; o Programa “Made-in-China-2025” na China, o “Advanced Manufacturing” nos EUA, “Industrial Value Chain Initiative” no Japão e “Usine du Futur” na França. As bases da indústria do futuro estão alicerçadas em novos processos digitais, integrados e intensivos em automação e com grande investimentos em tecnologia de engenharia de processos, tecnologia de engenharia de produtos (“design”) e tecnologia de gestão. Esse novo sistema integrado através do chamado “cyber-physical-systems”, no conceito da indústria 4.0, tem como objetivos o aumento da produtividade com redução de custos, a otimização do uso de energia, a utilização de energias renováveis e a redução da emissão de carbono, entre outros.
Apesar de estarem aparentemente em dimensões diferenciadas, o setor energético terá uma interação cada vez maior com as tecnologias advindas da indústria 4.0 e já apresentam importantes características similares, ambas tem alta influência das inovações tecnológicas, sobretudo aquelas advindas da digitalização, eficiência energética e uso de energias renováveis e dependem do desenvolvimento de novas infraestruturas e regulação para o bom aproveitamento do potencial de geração de novos negócios.
Novos modelos de negócios baseados no imenso volume de dados gerados ao longo do ciclo de vida do produto, desde o início da produção, fase de uso (incluindo o feedback dos consumidores) até o final da fase do ciclo de vida do produto (reciclagem de materiais por exemplo) serão fundamentais para a garantia da sustentabilidade da atividade industrial e energética do planeta e serão fundamentais para a otimização do uso da energia e redução da emissão de CO2.
Segundo a United Nations Industrial Development Organization (UNIDO) , a indústria consome 42,5% da energia produzida no mundo. Do total da produção energética mundial, 78,3% é gerada através de combustível fóssil e apenas 10,3% de modernas energias renováveis. Mas ainda que os índices de geração de energia elétrica através de combustível fóssil sejam majoritários, em 2015, a energia renovável contribui com mais de 50% da capacidade adicionada de geração de energia no mundo, isso indica que as tecnologias de baixo carbono são uma realidade sem retorno para muitos países e estão na agenda de sustentabilidade também das empresas. Países com a China, Índia, EUA, Espanha, Alemanha, Itália e muitos países do norte da África e Oriente Médio tem investido na implantação de plantas solares e eólicas, em larga escala. (talvez fosse interessante falar do Brasil).
Muitas são as vantagens da adoção das tecnologias digitais no setor elétrico, estudos da “International Energy Agency’’ (IEA) estimam que a digitalização no setor de energia elétrica poderá poupar cerca de $80 bilhões por ano, através do gerenciamento dos custos de manutenção, melhorando a eficiência de redes e estações e reduzindo os desligamentos.
Na indústria 4.0, a otimização energética é resultante de um conjunto de atividades desenvolvidas a partir do monitoramento e controle de comportamentos em numerosas interconexões, cujo gerenciamento pode ser realizada por robôs programados para tarefas específicas de redução de perdas, gerando assim uma economia operacional do sistema de energia. Segundo a UNIDO, alguns estudos já apontam que a utilização de sistemas de gerenciamento da energia através de robôs programados por algoritmos podem reduzir em até 30% o consumo de energia elétrica na indústria.
As tecnologias já existentes de “Smart Grid”, associadas a “Big Data” e “Analytics”, possuem grandes potenciais de gerenciamento de diferentes segmentos de consumidores, sendo uma importante ferramenta para fomentar novos negócios no setor de Energia. A tecnologia também pode prover a flexibilidade necessária para a integração de energia renovável como solar e eólica (geração distribuída) assim como as tecnologias de “Minigrid” podem acelerar o processo de geração distribuída para comunidades isoladas e remotas e podem ser aplicadas também em situações especiais nas próprias cidades, em setores hospitalares, universidades e condomínios residenciais, por exemplo. Outras tecnologias que evoluíram a partir dos avanços em relação as anteriores são às chamadas “Smart Cities’’. Muitas tecnologias surgiram para ampliar a gestão do “grid’’ para outros serviços.
A integração entre a geração distribuída com sistemas de baterias acopladas às atuais redes de energia elétrica é também um exemplo de tecnologias nascentes, que já estão sendo empregadas em residência, fazendas solares e eólicas, que também podem ser utilizadas como estabilizadores da energia da rede em horários de picos, que normalmente ocorrem fora do horário de geração solar ou em momentos de interrupção de ventos no caso das eólicas. Esta tecnologia foi empregada e testada recentemente em “Hornsdale Power Reserve’’ no sul da Austrália, resultado da parceria entre o Governo Australiano e a empresa TESLA.
A referida empresa também está investindo no desenvolvimento do uso de painéis solares acoplados com baterias através da Solar City. Nas dois casos a energia elétrica gerada durante o dia pode ser consumida ou despachada diretamente no grid, ou reservada para ser despachada em momentos de picos, quando o valor da energia é mais alto, garantindo retorno do investimento aos “prossumidores’’ (consumidores que se utilizam da rede da concessionária de energia elétrica também para também “comercializar” energia própria produzida).
No mesmo sentido do avanço da geração distribuída, outra tecnologia disruptiva que se avizinha é a questão da mobilidade elétrica. Muitos poderão ser os impactos da utilização de veículos elétricos e sua interação com as redes de energia. Para o IEA, por exemplo, que utiliza o termo “Smart Charging Technologies”, pelo fato desses veículos poderem ser demandadores de energia em momentos de baixo consumo de energia da rede, durante à madrugada por exemplo onde podem ser abastecidos em residências, e serem supridores de energia nos momentos de picos de energia, ou seja, assim como os consumidores residenciais que utilizam-se de painéis solares, os veículos também terão o papel de prossumidores. Segundo o IEA (especificar o que é o IEA) a interação de veículos elétricos na rede como prossumidores poderá gerar uma economia de U$ 100 bilhões e U$ 280 bilhões, poupando novos investimentos em infraestrutura da rede elétrica entre 2016 e 2040, em função dessa flexibilidade.
Nesse momento de crescimento exponencial de novas fontes de energias distribuídas a tecnologia de Blockchain torna-se fundamental. A referida tecnologia utiliza-se de “databases” distribuídas para o registro de operações físicas e/ou financeiras. Elas podem gerar novas possibilidades de criação de sistemas confiáveis a partir de certificação e garantia da segurança na intermediação de muitas operações. A tecnologia Blockchain pode ser bastante útil no controle de despachos de energias geradas por sistemas descentralizados, na forma de geração distribuída, a verificação da legalidade da provisão, o estabelecimento de sistema de controle de pagamento, dentre outras operações.
No Brasil, a ANEEL tem apoiado iniciativas em direção à modernização do setor elétrico através de editais estratégicos de P&D, cabe destacar aquelas baseada em três diretrizes: digitalização, descentralização e descarbonização.
Para finalizar, torna-se importante esclarecer algumas questões: a primeira delas refere-se ao próprio conceito de “Indústria do Futuro” ou “indústria 4.0”, entre outros. Na verdade é bom que se diga que esses conceitos ainda não estão consolidados e carecem de maior precisão e portanto, não há consenso sobre eles. Segundo ponto que não foi explorado refere-se a discussão sobre o caráter poupador de mão de obra que as novas tecnologias carregam consigo e há uma tendência do impacto sobre a questão do emprego ser maior em países que estão na periferia do sistema. Outra observação importante que cabe lembrar também é que quanto maior o emprego de tecnologias digitais e uso da internet, maior também serão os riscos associados a ataques cibernéticos, ou seja, torna-se igualmente fundamental a discussão e desenvolvimento da utilização de medidas protetivas de cibersegurança e de defesa da privacidade dos dados pessoais. Nesse contexto, o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos em tecnologias digitais torna-se fundamental para o desenvolvimento do setor elétrico.
*Nelson Fujimoto foi Secretário de Inovação do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior de 2011 a 2015 e Assistente da Presidência da CEMIG de 2015 a 2019. Graduado e Mestrado pelo Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (1987). Foi Diretor Geral e Secretário Substituto da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul, Assessor Especial de Inclusão Digital do Gabinete do Presidente da República, Secretário de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Secretário de Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Subsecretário de Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Gestor de Inovação e Novos Negócios da CEMIGTelecom e Assitente de Inovação da Presidência da CEMIG.