Por Jeovani Salomão* – A cobrança de impostos pode ter começado no Egito, na Idade Média na Europa ou em qualquer outro lugar que os historiadores decidam. De qualquer forma, sempre foi um assunto tão chato que é superado apenas pela inconveniência de ter que pagá-los. É possível que alguns dos leitores que acompanham meus artigos já tenham decidido que vão esperar pelo próximo e deixar esse de lado, mas se você já chegou até aqui, penso que vale ir até o final.
Em primeiro lugar, ao contrário do senso comum, é preciso ressaltar que o imposto é um dever recíproco. É dever das pessoas, físicas ou jurídicas, pagá-lo, assim como é dever do estado cobrá-lo. Sem impostos não há serviços públicos, não há segurança nacional, não há nação. O coletivo requer a contribuição individual para se sustentar. A estabilidade social que vivemos é fruto dos impostos que pagamos. Evidentemente, que quanto mais eficientes são os governos mais benefícios recebemos pelo que contribuímos. No Brasil, é senso comum que o retorno que recebemos é muito menor do que deveríamos, o que faz o ato de pagar ser ainda mais dolorido.
Pelo menos podemos nos orgulhar do uso intensivo de tecnologia, que tem sido útil para automatizar os processos e diminuir as perdas derivadas das sonegações fiscais. O sistema de Imposto de Renda Pessoa Física, por exemplo, pode ser considerado um caso de sucesso mundial. Há vários avanços também na relação contábil entre os órgãos de Receita e as empresas, bem como no cruzamento de dados contábeis, fiscais e bancários que auxiliam em muito a detecção de erros e fraudes.
Como empresário, gostaria de pagar impostos e tributos justos que fossem devolvidos de forma adequada do Estado para a sociedade. Ocorre que a carga tributária que já pagamos atualmente é enorme e, ainda, tende a piorar em função de algumas propostas que estão circulando pelo governo. Desde a criação da empresa, nunca tivemos lucro superior ao que pagamos de imposto, muito pelo contrário. Pior, estamos sujeitos a uma complexidade extraordinária que nos custa muito caro sem trazer qualquer segurança. Apenas o futuro deveria ser incerto, mas no caso dos impostos e tributos, o passado também é. Conheço dezenas de histórias onde empresários sérios foram estrangulados por interpretações esdrúxulas da Receita e viram o passado, que devia ser imutável, se modificar para pior.
A princípio, sou contra a criação de qualquer novo imposto, contra a modificação de impostos que aumentem a carga tributária e ainda muito mais contra quem sonega. Para citar exemplos concretos, o governo está trabalhando na modificação do PIS/COFINS, que em nome de uma possível simplificação, vai onerar indevidamente todo o setor de serviços, em especial o de Tecnologia da Informação. Outro exemplo, é o micro imposto sobre transações digitais, apelidado de nova CPMF.
A alcunha de CPMF foi utilizada, também, como estratégia para derrotar a proposta de imposto único sobre transação financeira, defendida com ênfase no início do governo pelo Professor Marcos Cintra. Duas questões principais foram utilizadas como argumento para derrubar o imposto e o secretário, por consequência. A primeira, falaciosa, que o imposto é injusto porque taxa igualmente ricos e pobres. Incrivelmente, nunca vi nenhuma pessoa na padaria, nem essas que se opuseram às propostas, apresentarem uma declaração de rendimentos para comprar pão. O que quero dizer, é que quando você compra qualquer produto, independente se é rico ou pobre, você já paga exatamente o mesmo imposto que qualquer outra pessoa. Quanto mais você compra, e quanto mais caros são os produtos, mais você paga. Em suma, o imposto que você paga já está atrelado a sua movimentação financeira e não é diferente se você ganha um salário mínimo ou se é bilionário.
A segunda, é que o imposto é cumulativo. Ou seja, em uma cadeia produtiva, a cada insumo que você compra, até a venda do produto final, o imposto incide repetidas vezes. Isso de fato é um problema? Depende do percentual de incidência e de quanto imposto vai pagar o consumidor final. Se o imposto único implicasse em pagar mais impostos, então seria um problema. Mas isso não ocorreria. Tive o privilégio de ver em detalhes as simulações feitas pela equipe do Professor Marcos Cintra muito antes de ele entrar no governo. Com um patamar de 4,5% sobre a transação financeira, praticamente se substituiria toda a plêiade de impostos e tributos que temos hoje, com benefícios extraordinários de simplificação e segurança jurídica.
O “problema” é que esse tipo de imposto, sobre a transação financeira, traz um imenso inconveniente para muitos poderosos: ele combate fortemente a sonegação. Adicionalmente ao imposto, já havia sido estabelecida uma regra que nenhuma operação em dinheiro vivo seria apta a garantir qualquer transferência de bens. Em resumo, caso você decidisse vender seu carro, a operação seria validada apenas com a respectiva transação bancária. Além disso, o dinheiro em espécie passaria a ter uma validade mais curta, evitando ser guardado em apartamentos suspeitos, como já ocorreu e foi relatado inúmeras vezes pela mídia.
Diante da abrupta virtualização que ocorreu em função da COVID, vários negócios migraram para a Internet. Muito se ganha hoje com propagandas, shows, lives, palestras, cursos, posts, transações de compra e venda virtuais. Por um lado, ótimo que a economia tenha encontrado formas de se recuperar, melhor ainda quando o movimento é diluído por milhares (milhões?) de pessoas. Por outro lado, é justo que se pague os impostos devidos dessas transações. Assim sendo, sou favorável à criação do imposto sobre transações digitais, desde que seja bem balanceado, dando segurança jurídica e afastando outros tributos.
*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.