
O Chamamento Público nº 1086/2023 do Serpro, cujo objetivo era contratar “Estação Virtual em Nuvem”, que posteriormente atenderia ao projeto “Serpro Virtual” e, também, a um convênio com a Secretaria de Educação do Distrito Federal, no programa “Horizontes Digitais”, oficialmente só teve a presença da empresa Arlequim Technologies na disputa pelo contrato. O processo de escolha do “parceiro” pela estatal teve ainda outros sinais de “jogo de cartas marcadas”: a Arlequim participou de três reuniões que antecederam a realização da disputa comercial que não existiu.
Embora não tenha participação direta no episódio, a Arlequim Technologies faz parte do mesmo grupo de empresas de informática do empresário Haroldo Jacobovicz , que foram alvo de operação do Ministério Público e da Polícia Federal do Paraná por suspeitas de corrupção em contratos com a prefeitura de Curitiba, através do Instituto das Cidades Inteligentes (ICI). Entidade que também foi comandada por Alexandre Amorim, antes dele assumir a presidência do Serpro, em fevereiro de 2023.
Preparação do terreno
O primeiro contato da Arlequim com o Serpro, registrado em agenda da estatal, ocorreu no dia 20 de junho de 2023, quando dois executivos da empresa, Paulo Melo e André Moro, participaram de uma videoconferência com o então diretor de Operações, Leandro Moreira Garcia. Outros sete funcionários que ocupam postos de chefias na estatal estiveram presentes. O tema da reunião foi “estação de trabalho em nuvem”, projeto que três meses depois, em outubro, o Serpro realizou um “chamamento público” em busca de um parceiro.
Os executivos da Arlequim voltaram a se reunir com integrantes da estatal em julho, no dia 27. Eles foram até a sede da estatal para realizar uma “apresentação institucional” ao diretor de Operações, Leandro Moreira Garcia. Desta vez o encontro teve apenas a presença do funcionário Guilherme Di Buccio.
Mas o encontro entre a empresa Arlequim e o Serpro que mais chama a atenção ocorreu no dia 11 de outubro, quando faltava apenas sete dias para o início da realização da “Manifestação de Interesse” no Chamamento Público nº 1086/2023, das empresas que desejariam manter uma parceria de negócios com a estatal. A reunião também consta na agenda do diretor de Operações, Leandro Moreira Garcia, e a pauta da conversa entre as partes era clara: “Parceria Serpro-Arlequim”.
Pelas agendas, deduz-se que a estatal realizou um chamamento público de fachada, no qual já se sabia previamente quem seria o vencedor da “parceria de negócios” com o objetivo de avançar no projeto “Serpro Virtual”: a Arlequim Technologies.
“O Serpro conduz a seleção de parceiros por meio de chamamentos públicos, regulados pela Lei nº 13.303/2016 e por seus normativos internos. No caso da solução Serpro Virtual, trata-se do Chamamento Público nº 1086/2023, objeto “Estação Virtual em Nuvem”, aberto em 18/10/2023, que seguiu todas as etapas legais de publicidade, julgamento, possibilidade de recursos e avaliação de integridade dos participantes. O processo foi finalizado e homologado em 2023, com ampla transparência”, informou ontem a Imprensa do Serpro em nota oficial, para contestar a informação divulgada pelo blog.
O Serpro não foi “transparente” conforme alega em sua nota oficial. É de se indagar ao Tribunal de Contas da União ou à Controladoria Geral da União, se existe “transparência” num processo de seleção de empresas em uma estatal, quando uma das candidatas ao contrato, em detrimento dos demais concorrentes, tem o privilégio de se reunir três vezes para discutir previamente com o contratante o objeto do projeto.
O Serpro nem pode alegar agora, que concedeu o mesmo tratamento para outras empresas interessadas no negócio, simplesmente porque não houve disputa entre várias empresas. Ninguém apareceu na data prevista para a manifestação de interesse (18/10/2023 a 20/11/2023).
Uma única empresa, a S2B Software, de Minas Gerais, se dispôs a participar do chamamento do Serpro em disputa com a Arlequim Technologies, mas entregou a documentação fora do prazo e fez um pedido de dilatação do prazo. Alegou que só havia tomado conhecimento do chamamento quando este já estava encerrando o prazo da manifestação das propostas.
Mas como a estatal estava na desconfortável situação de ter um processo de escolha de parceiro de negócios deserto, pois apenas uma única empresa se mostrou disposta a participar do projeto, resolveu receber a documentação para análise fora do prazo estimado no edital (18/10/2023 a 20/11/2023).
Mas depois desclassificou a S2B, “concorrente” da Arlequim sob alegação dela não preencher requisitos técnicos e nem tampouco ter apresentado toda a documentação necessária à sua habilitação. Desta forma, o Serpro conseguiu um “alibi” para sustentar a escolha da Arlequim Technologies.
Leandro Moreira Garcia ocupou o cargo de diretor de Operações no Serpro entre 16 de maio de 2023 a 19 de junho de 2024. Portanto, não está mais na estatal para dar a sua versão dos encontros que manteve com uma empresa que tinha interesse em participar de uma parceria de negócios. Em datas que antecederam o processo oficial de escolha realizado pela estatal.
*Mas está convidado pelo blog a dar a sua versão.
Novos encontros
A pressa de concluir logo o Chamamento Público nº 1086/2023 a Arlequim teve mais três reuniões na estatal:
04/09/2024 — DIJUG (Diretoria Jurídica, Governança, Gestão e Riscos): “Audiência Arlequim”; pauta “Alinhamento Termos, Condições e Parceria”.
intra.serpro.gov.br
21/11/2024 — SUPOP (Superintendência de Produtos e Serviços – Operações): reunião com presença de Andre Moro (Arlequim).
intra.serpro.gov.br
20/01/2025 — SUPCD (Superintendência de Produtos e Serviços – Centro de Dados): “Audiência Arlequim”.
No último dia 25 de setembro o Serpro anunciou o fechamento de um contrato por demanda de serviço com o Governo do Distrito Federal, para disponibilizar inicialmente duas mil máquinas virtuais que serão utilizadas no “Programa Horizontes Digitais” da Secretaria de Educação. O anúncio do programa foi feito pela vice-governadora Celina Leão num evento realizado em Brasilia. O valor do contrato, por demanda, segundo o portal Convergência Digital será de até R$ 12 milhões. Quem deu a informação para o veículo de imprensa foi o subsecretário de Operações em TIC da Secretaria de Educação do DF, Luan Lopes Leite.
“O modelo de parceria do Serpro já contempla diversas soluções, conta com a anuência dos órgãos de controle e completo amparo na legislação brasileira”, informa na nota oficial a direção da estatal.
*Então fica a pergunta para o TCU e a CGU: foi dada alguma “anuência” para a realização do processo desse modo?