
O governo federal encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei que institui o Sistema Nacional para Desenvolvimento, Regulação e Governança de Inteligência Artificial, denominado SIA, propondo uma nova arquitetura institucional capaz de coordenar políticas públicas, regular o setor e fiscalizar riscos decorrentes do uso de sistemas algorítmicos no país. Pela nova estrutura proposta pelo governo, que ainda será analisada pelo Legislativo, será criado um “Conselho Brasileiro de Inteligência Artificial” e a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) deverá atuar como uma espécie de “secretaria-executiva”. O texto não é claro quanto a essa estruturação, mas assegura a coordenação geral para a ANPD, embora as demais agências reguladoras fiquem com o encargo de regular as aplicações da IA em suas áreas de competência.
Segundo a Mensagem MSG1845-25, encaminhada ao Congresso Nacional, o Sistema Nacional para Desenvolvimento, Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA) será composto pelo futuro Conselho Brasileiro de Inteligência Artificial, pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados e por comitês consultivos formados por especialistas, cientistas, representantes da sociedade civil, setores produtivos e pessoas afetadas por aplicações de IA. O Conselho Brasileiro de IA será o órgão máximo de formulação estratégica, responsável por definir diretrizes, princípios e políticas para orientar tanto o desenvolvimento tecnológico quanto a regulação de usos considerados sensíveis ou de alto risco.
A ANPD, além de integrar o Conselho, passa a exercer papel central como “autoridade reguladora residual”. Isso significa que, nos setores onde não houver regulação específica, caberá à agência normatizar, fiscalizar e aplicar sanções sobre desenvolvedores, distribuidores e adotantes de modelos de inteligência artificial. O texto detalha atribuições como editar normas vinculantes, requisitar informações sobre dados usados no treinamento de modelos, credenciar instituições para auditoria, promover padrões internacionais de boas práticas e divulgar oficialmente as hipóteses de aplicações classificadas como de alto risco.
O projeto também estabelece que cada autoridade regulatória setorial como, Anatel, ANS, Banco Central, Anac, entre outras, terá competência para regulamentar riscos e obrigações dentro de seus respectivos domínios, sempre em articulação com as normas gerais emitidas pela ANPD e com as diretrizes estratégicas do Conselho Brasileiro de IA. As autoridades poderão ainda realizar investigações conjuntas, exigir responsável técnico qualificado para aplicações de IA de alto risco e determinar auditorias de modelos que afetem direitos de consumidores, trabalhadores ou serviços essenciais.
Uma das novidades mais relevantes é a previsão de um processo formal e participativo para definir novas hipóteses de aplicações de alto risco. O texto exige análise de impacto regulatório, consulta à sociedade e manifestação técnica dos integrantes do SIA antes de qualquer ampliação do rol de sistemas sujeitos a regras mais rigorosas. Esses casos deverão considerar riscos a direitos fundamentais, potenciais danos irreparáveis, impacto em grupos vulneráveis, riscos cibernéticos e ameaças à integridade física, psíquica ou moral de crianças e adolescentes.
O PL também enfatiza a articulação entre desenvolvimento e regulação. O Estado poderá fomentar infraestrutura, pesquisa científica, produção nacional de componentes, plataformas digitais e modelos de IA adequados às necessidades brasileiras. Entre os objetivos estão reduzir dependência tecnológica, estimular inserção competitiva do país na economia global de IA, gerar empregos qualificados e promover inclusão digital. Há foco adicional em acessibilidade, sustentabilidade ambiental e na criação de aplicações que valorizem especificidades culturais, linguísticas e socioeconômicas nacionais.
Outra frente de atuação prevista é a proteção dos trabalhadores. O Conselho deverá desenvolver diretrizes para mitigar impactos negativos da automação, como deslocamento de empregos, efeitos sobre saúde e segurança, perda de oportunidades e desigualdades estruturais. O texto incentiva a valorização da negociação coletiva, a promoção de programas de requalificação profissional e a adoção de medidas que ampliem postos de trabalho em setores emergentes ligados à IA.
O projeto também cria obrigações para órgãos públicos que utilizem aplicações de inteligência artificial, sobretudo quando classificadas como de alto risco. Eles deverão manter padrões mínimos de transparência, registrar incidentes relevantes, comunicar irregularidades a autoridades competentes e observar requisitos de governança. Em caso de indícios de infrações à ordem econômica, qualquer integrante do Sistema deve comunicar imediatamente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que poderá requisitar acesso a bases de dados usadas no treinamento de modelos.
O texto encaminhado ao Congresso argumenta que a regulação da inteligência artificial já é tema avançado em debates globais e que o Brasil precisa estruturar seus órgãos e competências antes da eventual aprovação do Projeto de Lei n.º 2338 de 2023, que tramita na Câmara e dispõe sobre direitos, deveres e obrigações para desenvolvedores e usuários. A Exposição de Motivos destaca que o país deve ser capaz de incentivar inovação, preservar soberania digital, garantir competitividade e mitigar riscos que já se manifestam nas esferas pública e privada.
O governo afirma que o SIA não cria novas autarquias, mas organiza de forma coordenada entidades já existentes, além de instituir colegiados consultivos destinados a assegurar participação social e científica na formulação de políticas. Para o Executivo, a proposta permite “harmonização e colaboração entre órgãos reguladores”, fortalecendo a capacidade estatal de supervisionar impactos sistêmicos da IA sobre privacidade, proteção de dados, decisões automatizadas, direitos fundamentais e até mesmo a soberania nacional.
O projeto tramita agora no Congresso Nacional, onde deverá ser analisado por comissões técnicas antes de seguir para votação final. O texto foi assinado pelos ministros Esther Dweck, Sidônio Palmeira e Ricardo Lewandowski. O texto explica que os impactos já evidentes da inteligência artificial sobre a economia, a vida social e processos decisórios do setor público tornam urgente a criação de estruturas estatais capazes de equilibrar inovação, soberania digital e proteção de direitos fundamentais.







