Governo veta proibição de divulgação nas redes sociais de imagens de “pegas” ou “rachas” no trânsito

O projeto é polêmico na forma como foi construído. Por exemplo, ele não impedia a divulgação de imagens de “pegas ou rachas”, caso o conteúdo tivesse o objetivo de “denunciar” essa prática ilegal no trânsito pelas redes sociais ou plataformas de vídeo, mas dava margem para obrigar a retirada do mesmo conteúdo, por exemplo, se ele estivesse sendo divulgado pela imprensa. O que acabou tornando dúbia a iniciativa.

Em ‘Mensagem 64″ encaminhada ao Congresso Nacional, o presidente Bolsonaro informou que vetou, “por interesse público”, os diversos artigos do projeto de Lei 130/2020 que tratam desse questão. O projeto previa o seguinte: “veda a divulgação, a publicação ou a disseminação, em redes sociais ou em quaisquer outros meios de divulgação digitais, eletrônicos ou impressos, do registro visual da prática de infração que coloque em risco a segurança no trânsito”, alterando o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997).

Ao que parece, o legislador se perdeu na ideia de mudar o Código Brasileiro de Trânsito para impedir que filmagens de “pegas” ou “rachas” fossem parar nas redes sociais ou em qualquer outro canal de comunicação, promovendo e incentivando tais infrações de trânsito. O projeto de Lei também previa que as plataformas de Internet, sobretudo os canais de divulgação de conteúdos ou outro meio digital, também deveriam “impedir a divulgação e novas publicações com o mesmo conteúdo”, quando recebessem ordem judicial.

O Ministério da Infraestrutura recomendou o presidente Bolsonaro vetar essa proposição, sob o argumento de que seria “um conceito muito amplo”, a forma como pretenderam impedir a publicação de vídeos e imagens. “A ausência de gravidade de tal conduta não justifica o cerceamento almejado”, informou a área jurídica do ministério.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, por sua vez, recomendou com maior ênfase o veto de Bolsonaro por entender que houve “vício de inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público”, ao exigir que as medidas para impedir as divulgações de conteúdo e eventuais compartilhamentos do mesmo, “impõe à plataforma obrigação de ‘censura prévia’ do conteúdo postado pelo usuário, em descompasso com os princípios estabelecidos pela Lei nº 12.965, de 2014 (Marco Civil da Internet), com a garantia constitucional do devido processo legal e com o direito à de liberdade de expressão, entre outros, em violação ao disposto nos incisos IV, IX, X, XII e LV do caput do art. 5º da Constituição”.

Na avaliação do MCTI, além de ser inconstitucional e ferir o Marco Civil da Internet no tocante à Liberdade de Expressão, os juristas da pasta explicaram que o cumprimento desse dispositivo seria impraticável, porque “não existem atualmente instrumentos técnicos eficazes e tecnologia desenvolvida que permitam que as plataformas sociais e os provedores de aplicação de internet possam cumprir a determinação judicial”.

Explicam: “por fim, ainda que fosse possível tecnologicamente impedir nova disponibilização de novo conteúdo anteriormente excluído, tal medida demandaria análise humana para verificar se a divulgação não estaria em contexto diverso da mera apologia à conduta delituosa, como, por exemplo, ao ser disponibilizado em contexto jornalístico ou acadêmico, o que ensejaria elevado ônus ao particular para execução da medida”, informou o MCTI.

Ambos os ministérios também sugeriram o veto ao artigo 4º, que tratava de multas a pessoas físicas e às plataformas ou qualquer veículo de comunicação, por estarem divulgando tal conteúdo. No caso das plataformas de Internet, a multa seria correspondente a infração (de trânsito) de natureza gravíssima multiplicada por 10. Já a empresa proprietária do canal de divulgação ou da plataforma digital que for comunicada pela divulgação e não providenciar a retirada da postagem em até 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir da notificação da autoridade judicial, seria punida com multa correspondente a infração de natureza gravíssima multiplicada por 50″. No caso de reincidência num período de um ano, as penalidades seriam aplicadas em dobro.

Os ministérios entenderam que a competência da aplicação de multas e penalidades é dos Estados e a possibilidade de conjugar multas de trânsito como parâmetro de gradação de multas para “indivíduo que não possui tal vinculação”, estaria em conflito com a competência legal de órgão estadual de trânsito. Como ele multaria alguém por ter divulgado um vídeo na Internet, se o indivíduo não foi o autor da infração de trânsito, não era o condutor do veículo e nem foi pego numa blitz?

“A desproporcionalidade destoa do sistema estabelecido pelo Código de Trânsito Brasileiro tanto pela forma de apresentação do ilícito quanto pela dosagem de sua sanção”, afirmaram os juristas do MCTI e da Infraestrutura.

O Ministério da Justiça e a Casa Civil, também vetaram a proposta por inconstitucionalidade e por entender que não há legitimidade em punir com sanções previstas no Código Brasileiro de Trânsito, um internauta que sequer foi pego por praticar infrações no trânsito. “O dispositivo apena com a suspensão do direito de dirigir o habilitado que divulgar, publicar ou disseminar, em redes sociais ou em quaisquer outros meios de divulgação digitais, eletrônicos ou impressos, de vídeos ou de imagens de infrações de trânsito de natureza gravíssima, ainda que não tenha havido a lavratura do respectivo auto de infração, na qualidade de condutor”.

E os ministérios vão além ao afirmar que, apesar da gravidade da infração de trânsito, a medida é desproporcional ao impor a pena de suspensão do direito de dirigir pela mera divulgação de conteúdo que, em certos casos, impõe penalidade de caráter mais leve ao condutor que efetivamente a pratica, “tendo em vista que há mais de uma dezena de hipóteses de infrações de natureza gravíssima que não implicam automaticamente a suspensão do direito de dirigir”.