Governo precisa de 20 mil pontos de satélite de Elon Musk. Vai encarar?

Uma decisão vem sendo protelada no âmbito do Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade das Escolas (Gape) comandado pela Anatel. Ninguém quer assumir publicamente, que para conectar em torno de 20 mil escolas públicas na Amazônia, serão necesários os satélites de baixa órbita (LEO), do empresário Elon Musk. Essas escolas estão em áreas onde a fibra óptica e o sinal de rádio não chegam e a resposta dos satélites geoestacionários não alcança o padrão necessário para conteúdos online por conta da latência (tempo que o sinal chega ao usuário).

Todos no governo têm consciência disso, mas ninguém quer se expor politicamente assumindo posição contrária ao uso dos satélites geoestacionários ou defender a contratação da Starlink de Elon Musk, ainda mais depois dele abrir uma crise política com o Brasil.

Nessa indefinição, a apresentação de uma proposta clara sobre conectividade satelital vem sendo empurada com a barriga pelo Gape desde fevereiro deste ano, quando o assunto entrou em pauta. Como as Atas de reunião saem com um mês de atraso, não se sabe se em março os integrantes do Gape discutiram a questão. Nos bastidores dizem que não.

Em fevereiro foi apresentada a nova versão do programa Gesac (Governo Eletrônico, Serviço de Atendimento ao Cidadão), que agora traz parcerias da Telebras (gestora do programa) com outras empresas privadas de serviços de satélite. Até o ínicio do ano a estatal só mantinha um contrato com a Viasat, mas na renovação do contrato do programa com o Ministério das Comunicações, este leque de opções de serviços ficou maior.

A decisão de ampliar as parcerias foi dedicida também em fevereiro, durante uma reunião do Comitê Executivo da Enec (Estratégia Nacional de Educação Conectada) coordenda pelo MEC e com apoio do Ministério das Comunicações. O “novo Gesac” define como parâmetro mínimo para uso dos satélite a velocidade de 20 Mbps (Megabits por segundo), podendo atingir 60 Mbps. Pelo modelo, a contratação de outras empresas, que deveria ocorrer por meio de licitação, passou a ser direta como forma de “parcerias”.

A possibilidade de uma parceria da Telebras com a Starlink chegou a ser discutida em março em Barcelona, na Espanha, numa reunião da diretoria da empresa com o Ministro das Comunicações, Juscelino Filho, que contou com a presença do presidente da Telebras, Frederico de Siqueira Filho. Mas a partir daí a coisa desandou. Ficou mais difícil ainda a possibilidade de um acordo, depois que nas últimas semanas o empresário Elon Musk atacou na sua plataforma “X” o Supremo Tribunal Federal e o governo brasileiro.

Indecisão

Há uma zona cinzenta na questão da conectividade satelital na Amazônia, em que os técnicos já alertaram que, em determinadas regiões, os satélites geoestacionários não deverão prover o serviço dentro desses parâmetros de velocidade. E a latência tenderá a ser grande, dificultando a adoção de determinados conteúdos online. Neste caso, os satélites de Elon Musk, com a Starlink, que estão mais próximos da Terra que os geoestacionários, seriam a solução adequada. O problema é: quem vai bancar publicamente esse acordo comercial?

A questão do uso dos satélites de baixa órbita já foi discutida internamente no Gape no ano passado, quando um subgrupo chegou a propor a contratação de pelo menos 8 mil pontos de conexão para a região amazônica ( uma ínfima parte iria para o Nordeste) ao custo de R$ 1 bilhão. A proposta acabou engavetada, mas o problema da conectividade não deixou de existir. Só que ninguém quer se expor politicamente com essa discussão. Ainda mais depois que todos assistiram calados a exoneração do ex-diretor do Departamento de Projetos de Infraestrutura e de Inclusão Digital da Secretaria de Telecomunicações do Ministério das Comunicações, Romulo Barbosa, quando ele tentou contratar a empresa de Elon Musk para conexão de pelo menos 5 mil pontos do Gesac.

Longe da meta

Nessa indecisão, até agora a EACE (Entidade Administradora da Conectividade de Escolas), criada após o leilão do 5G para gerir R$ 3,1 bilhões dos recursos destinados pelas operadoras que venceram o certame está parada, sem poder lançar as RFP (Request For Proposal ) para contratação de empresas que irão operar satélites no programa de educação conectada. Isso significa que, em torno de 20 mil escolas correm o risco de ficar para trás na implantação do programa, por falta de condições de receber o sinal de Internet.

Embora o governo alardeie que irá conectar ou melhorar a conexão até 2026 de um universo de 139 mil escolas e disponha de R$ 8 bilhões para isso, dentro do governo a realidade é mais pé no chão. A meta estaria concentrada em conectar 40 mil escolas públicas, que são aquelas que não contam com nenhum acesso à rede mundial de computadores. É nesse quantitativo que estão as escolas na Amazônia. Só que a demora em tomar uma decisão técnico/política vem colocando em risco o programa, que estima ter o máximo possível dessas escolas já conectadas a partir de outubro.

*Outros problemas contribuem também para um atraso da Enec, mas serão abordados pelo blog numa próxima edição.