Gilmar: vulnerabilidade da infraestrutura compromete a soberania digital

A revolução tecnológica em curso não redefine apenas a economia global, mas também os contornos da própria soberania nacional. Inteligência artificial, big data, plataformas digitais e redes de comunicação estão moldando um novo paradigma em que autonomia informacional e independência tecnológica passam a ser tão estratégicas quanto o controle territorial e político. Para o ministro do STF, Gilmar Mendes, no Brasil essa vulnerabilidade é concreta: 98% da infraestrutura de 5G é fornecida por apenas duas companhias estrangeiras, segundo dados da Anatel. Além disso, entre 2014 e 2025, foram gastos mais de R$ 23 bilhões em contratos públicos com apenas quatro conglomerados globais de nuvem e softwares. “É um problema que transcende a economia. É a própria noção de soberania que está em jogo”, resumiu.

O ministro do STF participou hoje (30) do  3º Brasília Summit, evento que reuniu autoridades, empresários e representantes do setor de tecnologia e inovação, promovido pelo LIDE – Grupo de Líderes Empresariais.

Em seu discurso, Mendes também disse que o risco de um “neocolonialismo digital”, fenômeno que já vem sendo chamado por especialistas de “tecnofeudalismo” é real. Destacou que a ideia traduz a dependência estrutural de Estados nacionais em relação a infraestruturas privadas estrangeiras, ao armazenamento de dados sensíveis em jurisdições externas e à crescente influência de gigantes globais da tecnologia sobre políticas públicas.

Do capitalismo ao tecnofeudalismo

Gilmar Mendes destacou que o conceito encontra eco no livro Technofeudalism – What Killed Capitalism, do ex-ministro grego Yannis Varoufakis – no qual mostra que o capitalismo de mercado deu lugar a um modelo em que o poder se concentra nas mãos das grandes plataformas digitais. Nessa lógica, cidadãos tornam-se “servos digitais” e empresas pagam tributos para existir nos espaços virtuais controlados pelas big techs.

Para o ministro do STF, no Brasil essa vulnerabilidade é concreta: 98% da infraestrutura de 5G é fornecida por apenas duas companhias estrangeiras, segundo dados da Anatel. Além disso, entre 2014 e 2025, foram gastos mais de R$ 23 bilhões em contratos públicos com apenas quatro conglomerados globais de nuvem e softwares. “É um problema que transcende a economia. É a própria noção de soberania que está em jogo”, resumiu Gilmar Mendes.

Plataformização do Estado

O fenômeno também se manifesta em áreas sensíveis como a Educação, em que funções estatais são terceirizadas para plataformas privadas, muitas vezes com dados armazenados fora do país. O resultado é o que especialistas chamam de “plataformização do Estado”, processo que expõe informações estratégicas a algoritmos opacos e a jurisdições estrangeiras.

Nesse cenário, o ministro do STF disse que cresce a pressão para que o Brasil invista em infraestruturas públicas de dados, conectividade própria e políticas industriais voltadas à tecnologia, aproveitando diferenciais como sua matriz energética renovável e seu capital humano.

O desafio, porém, não se resume à soberania. Novas tecnologias trazem ganhos em saúde e economia, mas também riscos à privacidade, à democracia e à igualdade de direitos. Algoritmos podem reproduzir preconceitos em concessão de crédito ou contratações, enquanto redes sociais amplificam desinformação e conteúdos nocivos.

Organismos internacionais já se mobilizam. A ONU, a Unesco e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos estabeleceram diretrizes que cobram transparência, governança participativa e due diligence de empresas e Estados. No Brasil, avanços recentes incluem a Lei Geral de Proteção de Dados (2018), a decisão do STF que ampliou a responsabilidade das plataformas e a aprovação do ECA Digital, voltado à proteção de crianças e adolescentes online.

Soberania também na saúde

A discussão sobre autonomia tecnológica extrapola o ambiente digital e alcança setores como a indústria farmacêutica. “A pandemia de Covid-19 expôs os riscos da dependência externa de insumos e vacinas, quando países inteiros ficaram reféns de poucos centros produtores. No Brasil, a judicialização de medicamentos de alto custo se tornou reflexo dessa fragilidade”, destacou o ministro.

Especialistas defendem fortalecer a indústria nacional de fármacos e investir em pesquisa e inovação, a exemplo do que ocorreu no agronegócio com a criação da Embrapa. “Precisamos pensar em Embrapas para outras áreas de tecnologia”, afirmou Gilmar Mendes, lembrando que autonomia em saúde também é soberania.

Novo pacto tecnológico

Para o ministro do STF o diagnóstico é claro: sem uma estratégia coordenada, o País corre o risco de repetir padrões históricos de dependência. Para evitar a submissão a tecnofeudos digitais e garantir acesso justo a tecnologias de saúde, será necessário um novo pacto nacional de soberania tecnológica, que envolva Estado, setor privado e academia.

“O futuro do Brasil depende da capacidade de transformar inovação em emancipação. A revolução tecnológica não pode ser instrumento de dependência, mas base para o protagonismo democrático e para o nosso destino soberano”, concluiu o discurso.