Já existe uma estimativa de custos para utilização de satélite de baixa órbita nas 8.365 escolas públicas que ainda não dispõem de conexão de Internet em todo o país: R$ 1,032 bilhão. Somente as instituições de ensino que não estão conectadas na Região Norte (5.432 escolas) ficarão com R$ 686,7 milhões desse montante. Nas entrelinhas desse estudo, apenas a Starlink teria condições neste momento de atender à demanda do governo.
O estudo foi feito pelo “Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas (Gape)”, vinculado à “Entidade Administradora da Conectividade de Escolas” (Eace).
Não está claro se nele foi embutido o custo de manutenção técnica, nem tampouco se ele passou a ser a meta do governo a ser alcançada. Há versões conflitantes quando se trata do assunto com fontes do Ministério das Comunicações. Lá asseguram que esse custo está além da proposta de conectividade da pasta.
Estudo da EACE
A Eace foi criada para as operadoras móveis que participaram do leilão do 5G na faixa de 26 Ghz possam cumprir com as obrigações contratuais de investimentos em rede na área educacional. Dispõe de R$ 3,2 bilhões em caixa para gastar num projeto de conectividade escolar por conta dessas obrigações do leilão do 5G. Foi a contraparte dada por elas pela compra barata de licenças no leilão da Anatel. A entidade é formada pelas operadoras móveis Algar Telecom, Claro, Tim e Vivo. Conta também com representantes da Anatel, Ministérios da Educação e das Comunicações, além da Telebras.
Em março deste ano o Gape realizou uma reunião em que apresentou uma versão atualizada da situação de conectividade das escolas públicas no Brasil, com base nas novas informações divulgadas pelo Censo Escolar de 2022. Segundo este novo cenário encontrado pelo Ministério da Educação, o Brasil tem 138.355 escolas públicas, sendo que 8.365 não possuem conexão alguma com a Internet.
Mas se nessa conta forem incluídas as escolas públicas que declararam ter uma má qualidade na conectividade, esse número sobe então para 40.602 escolas. A região Norte é a que mais sofre com a falta de conexão e a Nordeste com o atendimento precário no acesso à Internet.
No Norte são 5.432 escolas que afirmaram no Censo não terem conexão alguma com a Internet, enquanto outras 9.886 declararam contar com má conectividade para acesso à rede mundial de computadores. Ou seja, não seria a ideal para efeito pedagógico.
Já o Nordeste tem menos escolas com problemas de falta de conexão que a região Norte (apenas 2.062 escolas não tem acesso), mas o volume de instituições de ensino que declararam má qualidade na conexão chegou a 15.980 escolas públicas.
Satélite
Na avaliação do Gape, em determinadas escolas e regiões do país não haverá outra saída que não seja obter serviço de conexão via satélite, dada as características dessas áreas como, por exemplo, casos em que o acesso se dá pelos rios e florestas (áreas indígenas).
Porém o Gape deu preferência para a cobertura com satélite de baixa órbita, desconsiderando que o governo já tem um satélite geoestacionário numa órbita mais alta. É fato que há diferenças na qualidade e velocidade da conectividade. Os satélites de baixa órbita podem oferecer velocidades maiores de conexão.
Para todo o país a escolha do satélite de baixa órbita levaria o país à seguinte conta, sem estar claro se o custo da assistência técnica estaria embutido:
No caso da região Norte o Gape fez as seguintes contas, inclusive levando em consideração que há escolas públicas que não poderiam contar de imediato com Internet, sem antes o governo resolver o problema da falta de energia elétrica.
Direcionamento
O Estudo da Eace construído pelo Gap, dada a “urgência” com que tratou o tema, tem claros sinais de direcionamento dos investimentos para somente uma única empresa com condições de atender, nesse momento, o interesse público de conectar escolas públicas em áreas remotas do país: a Starlink, do megaempresário Elon Musk.
O mercado de satélites de baixa órbita (LEO – Low Earth Orbit) não é pequeno. Porém, nem todos ainda estão em operação e a maioria tem pouca constelação para atender ao interesse do Brasil, no tocante ao documento produzido por essa entidade. Além disso, nem todas operam a “band KU”, considerada a melhor para a conectividade na Internet escolar.
Segundo dados da Anatel, as empresas autorizadas a operar satélites de baixa órbita no país são as seguintes:
A julgar pelos dados da agência reguladora, apenas a empresa Kuiper poderia fazer concorrência à Starlink na disputa por pontos de acesso à Internet nas escolas públicas em áreas remotas no país. Porém, a empresa ainda não entrou em operação, embora esteja autorizada pela Anatel. Resta saber ainda, se a constelação Kuiper, que opera na banda KA, poderia tecnicamente fazer frente aos da Starlink que além dessa opção, também podem operar na banda KU.
Geoestacionários?
No documento do Gape não houve nenhuma citação sobre o porquê dos satélites geoestacionários ou os serviços de banda larga via sinal de rádio não terem sido incluídos como opção para a cobertura de pelo menos parte das mais de oito mil escolas públicas.
Fica a dúvida: a velocidade que é oferecida pelo satélite da Telebras (50 Mbps – máxima) não atenderia às necessidades dessas escolas localizadas em áreas tão remotas? E o rádio não seria o caso de investir em parceria com a iniciativa privada no incremento dessa tecnologia em áreas de difícil acesso para a fibra óptica?
Aparentemente não houve discussão ou algum teste comparativo. Se houve, isso não foi tornado público pela entidade em seu documento. Pelas informações disponíveis, a questão parece ter sido tratada levando em conta apenas a avaliação técnica do que dizem as empresas em seus manuais de operações. Se houve algum teste de campo isso não ficou claro.
*Ainda nesta edição teremos outra reportagem que mostra o direcionamento técnico e político do programa de conectividade nas escolas em áreas remotas para os satélites de baixa órbita de Elon Musk. Já usaram até a imagem do presidente Lula para tentar aproximar a empresa ao novo governo.