Pelo menos a Dataprev já está passando por um processo de discussão interna no governo, sobre a possibilidade de repasse de alguns dos seus serviços para a iniciativa privada. O que, em instância final, poderá levar a estatal ao processo de extinção ao invés da privatização. O Serpro ainda é uma incógnita sobre o futuro, além do recorrente interesse na privatização.
Segundo este site apurou nos bastidores do governo, esse repasse de serviços da Dataprev para a iniciativa privada resolveria alguns problemas de agenda da privatização e de estratégias mal conduzidas que podem acabar estourando lá na frente e responsabilizando alguns gestores públicos por tomadas de decisões erradas.
A questão é que os envolvidos com a privatização do Serpro e da Dataprev sabem que estão trabalhando com prazos muito curtos e dentro de um cenário que tem tudo para mais à frente esse processo acabar judicializado. O que poderá atrapalhar o cronograma de venda, por um governo que já não trabalha com toda a confiança de que terá um segundo turno de mais quatro anos.
Por conta desse cenário, já se discute se não seria mais fácil retirar da estatal o seu principal serviço, que é a guarda e proteção dos dados de milhões de brasileiros. Segundo informações, o governo cogita em migrar todo o CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais para a nuvem da sempre parceira AWS (Amazon Web Services).
O CNIS é o sistema mais confiável e mais atualizado que o governo tem. Estima-se que ele guarde mais 50 bilhões de registros de todos os brasileiros. Graças à ele o governo tem uma radiografia completa de toda a vida previdenciária, dos nascimentos, óbitos, de cada individuo e seus vínculos trabalhistas. Mesmo no caso de estrangeiros que trabalhem pelo menos um único dia no Brasil, eles têm o seu registro computado pelo CNIS.
Ele é importante porque contém vínculos empregatícios, remunerações e contribuições. Com a digitalização dos serviços, aquela prova feita em carteira pode ser substituída pelos registros digitais, e dessa forma o cidadão pode aposentar apenas solicitando ao INSS. Em alguns casos a aprovação é quase que imediata, tendo em vista que as provas já estão registradas nos bancos de dados.
“O Cadastro Nacional de Informações Sociais é a porta de entrada para acesso aos principais benefícios concedidos pelo governo. É praticamente o “documento” mais importante de todo o universo que cerca o ambiente previdenciário”, declarou uma fonte.
Mas a ideia não seria apenas levar ou replicar o banco de dados na nuvem da AWS. O estudo prevê transferir toda a operação do CNIS para o data center da Amazon. Eventual decisão desse nível tornaria inútil o data center da estatal localizada no Rio de Janeiro, seria o fim da Dataprev.
Mas uma decisão desse porte não poderia ser tomada apenas pela equipe do Ministério da Economia que trabalha na Secretaria de Governo Digital ou de Desestatização. Ela teria que ter o apoio politico do maior cliente e também controlador da Dataprev: o INSS. E o sinal verde para executar a estratégia, segundo fontes do governo, já foi dado pela direção desse órgão.
Há anos o INSS tenta criar um núcleo de desenvolvimento de aplicações no órgão mas a ideia nunca prosperou porque a Dataprev impedia tal ideia. Isso vinha gerando um clima hostil contra a estatal. A TI do INSS viu agora a oportunidade que faltava para se desfazer dessa amarra tecnológica com a empresa.
O presidente da Dataprev, Gustavo Canuto, já está ciente dessa articulação e vem se opondo. Se tem força política para barrar essa movimentação ninguém sabe ainda. Porém, Canuto já teria dito em recente reunião com a direção do INSS que é contra a ideia.
Canuto não tem força sozinho para barrar eventual decisão. O assunto tem de passar pelo Conselho de Administração, onde ele não apita. Quem manda no Conselho é a ex-presidente Christiane Edington que conta com o apoio irrestrito de Luis Felipe Monteiro, o secretário de Governo Digital.
Luis é a voz na Dataprev do secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Caio Paes de Andrade, assim como no Conselho de Administração do Serpro. Caio não só é a favor da privatização de estatais, como também endossaria o esquartejamento dos serviços prestados por elas para o mercado privado.
A ideia de passar o CNIS para a AWS resolveria vários problemas de Luis Felipe. O primeiro deles é o fato de que a nuvem que sempre almejou para abrigar todos os bancos de dados do governo, desde os tempos de Ministério do Planejamento, no Governo Temer, sempre pecou pela falta de “clientes” governamentais de peso. Sua última nuvem criada no início deste governo não passava de um aglomerado de poucos órgãos públicos irrelevantes, que teriam bancos de dados igualmente irrelevantes.
Agora ele acaba de licitar uma nova nuvem, ao custo para o governo de R$ 65 milhões, mas que pode chegar com a adesão de novos órgãos federais ao custo de R$ 370 milhões. Outra vez poucos órgãos participaram do processo, que não envolvem aqueles que as estatais já prestam serviços. Tem muita promessa, mas pouca adesão.
Tirar o INSS, que enfim poderá contratar os temporários da SGD para desenvolver aplicativos próprios, sem depender da Dataprev, seria um gol de placa para a equipe de Luis Felipe. Além de justificar o custo da sua nuvem, que é cara, se considerado o último pregão que custou “apenas” R$ 29 milhões, resolveria o problema de abrir mercado governamental para a iniciativa privada.
*Uma nuvem que simplesmente custa muito mais que a “GovCloud” que este governo desenvolveu e está jogando no lixo para atender aos interesses privados.