Por Flávia Lefèvre – No próximo dia 4 de novembro vai ocorrer a maior licitação do setor das telecomunicações, tanto em valor quanto em faixas de radiofrequências – 700 MHz; 2,3GHz; 3,5GHz e 26 GHz, que estarão associadas ao Serviço Móvel Pessoal, com vistas à implementação de redes de 5ª. Geração, em tecnologia 5G.
Os impactos do desenho do Edital 5G elaborado e publicado pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) no último dia 27 de setembro estão sendo ignorados pelas principais instituições do país e pela sociedade como um todo.
Mas os graves riscos que o Edital 5G traz para o país foram bem identificados pela Secretaria de Infraestrutura e Comunicações (SeinfraCom) do Tribunal de Contas da União (TCU).
As robustas razões apresentadas pela SeinfraCom em relatório que consta do Acórdão 2032/2021, foram considerados pelo voto do Ministro Aroldo Cedraz, único voto contrário no julgamento ocorrido no TCU. Tomamos mais um 7×1; mas esse com resultados muito mais catastrófico para o Brasil do que aquele triste que tomamos no jogo contra a Alemanha na Copa de 2014!
O Ministro Aroldo Cedraz tomou um tapetão nunca visto no TCU. Pediu vistas do processo no dia do julgamento pelo prazo de sessenta dias, concederam trinta e, de repente, disseram que ele só teria uma semana para se pronunciar sobre o edital. Essa história está contada pelo próprio Ministro que pode ser assistida no link que dá acesso a Audiência Pública promovida pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara Federal em 21 de setembro deste ano.
O principais problemas apontados pelo Ministro Cedraz na Audiência Pública, com suporte no relatório da SeinfraCom foram os seguintes:
A diferença entre os R$ 49 bilhões que a ANATEL estabeleceu como preço mínimo para o leilão e o que o órgão técnico do TCU apontou é de R$ 60 bilhões!
Para se justificar, a ANATEL diz que está fazendo um leilão não arrecadatório. Bom, se é assim e se vai entregar quase que todo o espectro brasileiro por 20 anos para a iniciativa privada, deveria estar exigindo contrapartidas proporcionais ao ganho astronômico que as empresas vencedoras do certame terão.
E essas contrapartidas deveriam ter a finalidade de reduzir o vergonhoso fosso digital que separa o acesso a Internet dos ricos e dos cidadãos de baixa renda, como ficou tão claro agora com a pandemia. Já que o valor mínimo para o leilão está sub-avaliado, o Edital deveria impor obrigações de atendimento de localidades e regiões com a implantação de infraestrutura de 4G a curto prazo, o fim dos planos de franquia que desrespeitam a neutralidade da rede, que deixam mais de 60 milhões de brasileiros com acesso restrito a Internet, bem como a conexão das escolas públicas de forma clara e definida por regras estabelecidas pelo Poder Público.
Entretanto, as obrigações de investimento em 4G não estão claras. Tanto assim que as empresas interessadas já estão perguntando para a ANATEL o que e como exatamente terão de fazer.
Quanto à conexão das escolas públicas, que só entrou como contrapartida por pressão de parlamentares e do TCU, as obrigações também não estão definidas. Os programas que se beneficiarão dos investimentos das empresas vencedoras ainda serão desenvolvidos pela Entidade Administradora da Conectividade das Escolas (EAC) – entidade privada e o Ministério da Educação.
Ou seja, se as obrigações que estão sendo exigidas das empresas vencedoras como contrapartidas são reduzidas e não atendem a demanda da sociedade brasileira por infraestrutura de acesso a Internet, o valor mínimo fixado para o leilão deveria ser o apontado pelo Ministro Cedraz – R$ 100 bilhões, de modo que o Poder Público pudesse realizar os investimentos necessários para promover a universalização.
E o 7×1 tem uma razão. Nas palavras do Ministro das Comunicações (MCOM) – o genro do Silvio Santos e candidatíssimo ao governo ou ao Senado do Rio Grande do Norte: “muita política”! O MCOM levou os Ministros do TCU para viajar e visitar países onde o 5G já está funcionando, como Finlândia e outros que nada tem a ver com o Brasil. Além disso, o Ministro Raimundo Carrero – relator do processo no TCU, ganhou de presente, logo em seguida ao julgamento do Edital, a embaixada em Portugal! Que beleza; nossa inclusão digital trocada por uma embaixada.
Aqui o 5G está previsto para chegar nas principais capitais a partir de 2028 e vai chegar para quem? Quem terá dinheiro para comprar um celular que opere no 5G?
Outro aspecto relevante é o fato de que o Edital foi formatado para beneficiar especialmente as grandes empresas que já dominam o mercado de telefonia móvel e acesso a Internet. Tanto assim que pequenos provedores reunidos no consórcio Iniciativa 5G Brasil apresentaram ontem a Comissão de Edital e Licitação da ANATEL impugnação ao Edital, que viola princípios constitucionais que tratam da atividade econômica, principalmente os que garantem a livre concorrência, o estímulo às pequenas e médias empresas e as reduções das desigualdades regionais e sociais.
É por essas e outras razões que entidades da Coalização Direitos na Rede (CDR) apresentaram Representação ao Mistério Público Federal, requerendo a instauração de Inquérito Civil, a fim de que se apurem atos de improbidade administrativa por parte dos agentes públicos envolvidos, sem prejuízo de serem adotadas medidas cautelares para suspender o leilão, uma vez que os riscos de lesão em larga escala ao interesse público são significativos como asseverou a SeinfraCom e o Ministro Cedraz.
A despeito de vemos no desenvolvimento da tecnologia de 5ª Geração potencial para incentivar o desenvolvimento de diversos setores da economia e, consequentemente, alavancar também o desenvolvimento social no Brasil, entendemos que as medidas regulatórias devem se dar tendo como objetivo o interesse público para a democratização do acesso a Internet e às comunicações e melhorar a qualidade do acesso de milhões de cidadãos com conexões hoje precárias e discriminatórias.
Aqui o acesso ao posicionamento da CDR sobre o leilão 5G e a íntegra de nossa Representação.
*Flávia Lefèvre Guimarães é advogada especializada em direito do consumidor, telecomunicações e direitos digitais. É integrante da Coalizão Direitos na Rede, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, consultora associada do Instituto NUPEF – Núcleo de Pesquisas, Estudos e Formação e membro do Conselho Consultivo do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; foi representante das entidades de defesa do consumidor no Conselho Consultivo da ANATEL de fevereiro de 2006 a fevereiro de 2009 e representante do 3º Setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil de maio de 2014 a maio de 2020.