Jeovani Salomão e Dyogo Oliveira* – Os tempos que estamos vivendo são realmente extraordinários. Sombrios, na verdade. Mas toda crise é também momento de transformações e oportunidades. Esta não poderia ser diferente. Nos deu uma pequena amostra do que está por vir com a aplicação das tecnologias digitais na economia e nas nossas vidas. Enquanto empresas tradicionais estão desesperadas em busca de soluções para a crise e tentando encontrar o caminho da sobrevivência, empresas relativamente novas, como as que oferecem plataformas para reuniões virtuais, por exemplo, viram seu valor de mercado saltar da noite para o dia. É conhecido o caso da Zoom, que hoje tem valor de mercado superior à soma das sete maiores companhias aéreas dos Estados Unidos. Outro caso interessante, o Facebook, tem valor de mercado superior ao da Exxon que durante muitos anos foi a maior petroleira do mundo. Se somarmos o valor de mercado de todas as empresas listadas na Nasdaq, a bolsa que reúne as empresas da economia digital, elas representariam aproximadamente 33% do PIB dos Estados Unidos.
Mas nem sempre foi assim. Na verdade, o mundo sempre foi dominado pela produção de bens materiais. O aço, o carvão e o petróleo marcaram a vida econômica dos últimos 200 anos. Essas indústrias tiveram importância fundamental na formação econômica dos países. Desde a revolução industrial estes três elementos estiveram no núcleo das disputas que não raro levaram à guerra, inclusive as duas mundiais. Também estiveram no centro dos movimentos que levaram à paz e ao desenvolvimento. A mais bem sucedida história de integração internacional da humanidade, a União Europeia, nasceu do acordo da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Era o mundo da matéria.
Digo isso apenas para demonstrar a tamanha importância que elementos físicos tiveram na história da evolução econômica das nações. Os modelos de desenvolvimento atrelados à exploração desses materiais e de outras matérias físicas, entretanto, estão cada vez mais obsoletos. É quase impensável, nos dias de hoje, que um país adote como estratégia de crescimento apenas o domínio das tecnologias e capacidades produtivas atreladas aos bens materiais.
É evidente que a produção de bens ainda cumpre um papel importante na vida econômica, mas esse papel é cada vez mais reduzido. A participação da indústria na economia brasileira, atualmente, é de 11% do PIB. Esse número já foi próximo a 30% na década de 80.
Os motivos que levam a essa perda de importância relativa são inúmeros, mas podem ser sintetizados pelo fato de que as margens de ganhos nessas indústrias se tornaram muito apertadas em virtude da maturidade das tecnologias envolvidas e da escala de produção ótima exigir investimentos muito elevados.
Diante desse fenômeno, muitas empresas de diferentes países passaram a dominar não só a produção desses bens como a produção dos bens de capital necessários. Paralelamente, ocorreu o processo natural de consolidação, tanto pelo simples fato de que as empresas menos eficientes saíram do mercado, quanto por fusões e aquisições. Mesmo indústrias mais sofisticadas como a química e a farmacêutica, hoje se encontram em um patamar mais baixo do ponto de vista da dinâmica tecnológica. Se por um lado, cada vez mais se investe em desenvolvimento de novos produtos e tecnologias de produção, por outro, há um número cada vez menor de empresas capazes de levantar os recursos necessários para esse investimento.
O brilho, a energia, o dinamismo estão agora em outro lugar. Na economia digital. Um mundo de oportunidades ainda a ser explorado, onde as possibilidades crescimento são enormes e os vencedores ainda não estão definidos. Um mundo onde a cada dia podem surgir novos produtos, serviços, tecnologias e modelos de negócio.
A era da economia digital está revolucionando até os negócios tradicionais. Desde a maneira de como tomamos um taxi, até a realizações de operações financeiras internacionais usando block chain. E estamos ainda na base da curva de desenvolvimento dessas tecnologias.
O mercado financeiro, como sempre, percebe mais rapidamente os movimentos de valorização dos ativos e já tem concedido avaliações de empresas digitais que claramente demonstram uma aposta no futuro. São empresas que valem bilhões, mas que ainda estão em estágios iniciais de desenvolvimento com grandes investimentos e muitas ainda apresentam vultosos prejuízos nos seus balanços. A Uber, por exemplo, apresentou prejuízo em onze dos últimos 12 trimestres. Ainda assim, seu valor de mercado é estimado em U$ 82 bilhões de dólares.
No Brasil, o mercado ainda não absorveu essa nova economia e muitas empresas têm optado por listar suas ações nos Estados Unidos, onde os investidores estão mais preparados para avaliar empresas de tecnologia. Das 95 empresas mais negociadas na B3 (Formato atual da Bolsa de São Paulo), apenas 4 são do setor de tecnologia.
Essa realidade chama atenção para um aspecto importante em termos da evolução dos países, em um ambiente marcado pela economia digital. O risco de que se reforcem as disparidades entre os países desenvolvidos e emergentes. Isso decorre do fato de que o avanço da economia digital depende fundamentalmente da disponibilidade de infraestrutura de telecomunicações, pessoal qualificado e um mercado financeiro capaz de prover recursos para essas empresas em seus diversos estágios.
Em nosso país, claramente temos tido dificuldades nesses três elementos. Em países de renda ainda mais baixa que o Brasil, na África e na América Latina, os indicadores são ainda piores. No ranking internacional de qualidade de vida digital da InterNaitons, o Brasil aparece apenas em 50o lugar entre 60 Países.
A dificuldade de se avançar na implantação da rede 5G, exemplifica nossas deficiências com as questões de infraestrutura. Sobre a oferta de pessoal, um estudo recente do banco Mundial aponta que 50% dos jovens brasileiros estão em risco de desengajamento econômico em virtude da carência de capacitação em disciplinas correlatas à tecnologia. Por um lado, nossos profissionais de tecnologia são reconhecidos pelo talento, criatividade e capacidade de produção, por outro, ainda é relevante a dificuldade com línguas estrangeiras, que constitui um limitador para a utilização desse pessoal em projetos internacionais.
No mercado financeiro temos avançado lentamente. Apesar de termos conseguido desenvolver uma pequena comunidade de investidores anjo e de fundos de private equity. Esses atores ainda têm se concentrado em empresas de mercados tradicionais e poucas startups brasileiras têm sido capazes de obter recursos para se desenvolver a partir do mercado de capitais.
O Brasil caminha com passos curtos e titubeantes no apoio às empresas de tecnologia. Algumas inciativas importantes merecem destaque. Instituições como SEBRAE, BNDES, FIESP, FINEP e outras têm mantido programas de incentivos a empresas nascentes de tecnologia com algum sucesso. Essas inciativas, entretanto, precisam ser expandidas e passar a ter a escala de inciativas comparáveis de outros países como a França, por exemplo, que lançou o Station F, um espaço que conta com mais de mil startups de 26 países diferentes, onde gigantes como Google, Apple e Microsoft buscam empresas inovadoras que possam se tornar parceiras no desenvolvimento tecnológico.
A economia digital traz grande oportunidade para o desenvolvimento econômico e social dos países, mas para aproveitar essas oportunidades será necessário um grande esforço. Mãos a obra.
Dyogo Oliveira – presidente da Associação Nacional das Empresas Administradoras de Aeroportos, ex-presidente do BNDES e ex-Ministro do Planejamento
Jeovani Salomão – empresário do setor de TIC, ex-presidente da Assespro Nacional e do SINFOR