É possível Elon Musk “sair” do Brasil, mantendo atividade econômica aqui?

O anúncio do empresário Elon Musk de acabar com as operações do seu escritório no Brasil é polêmico, porque envolve algumas questões legais que estão acima do seu desejo de continuar mantendo o “X” (Twitter) fora do país. Que ele queira sustentar politicamente um tosco debate sobre Liberdade de Expressão, dando munição para a extrema-direita continuar unida e atacar o STF, é compreensível. Mas como atuar nesse campo, sem ferir os interesses comerciais da plataforma, que vem obtendo receitas no Brasil com a exploração de uma atividade econômica?

Do ponto de vista legal sobre operar a rede social fora do país, não há na legislação brasileira nada que o impeça de tomar essa decisão.

Polêmica

Mas advogados ouvidos pelo blog entendem que Elon Musk não tem como escapar de se submeter às regras brasileiras, se desejar continuar explorando uma atividade econômica (lucrando com a publicidade), além do tratamento dos dados coletados dos usuários a partir da rede de Internet brasileira.

Para a advogada e especialista em direitos na rede, Flávia Lefèvre Guimarães, a decisão de Elon Musk começa por esbarrar na Constituição Federal e segue confrontando outras legislações como o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor.

Em seu artigo “O STF e o Facebook – O Inquérito 4.781-DF “, Flavia traça um paralelo com o caso da plataforma “X”, ao afirmar que do ponto de vista constitucional, as empresas estrangeiras são obrigadas a observar a competência do Estado brasileiro de regular e fiscalizar a atividade econômica de provedores globais de aplicações.

Sendo assim, as empresas estrangeiras provedoras de serviços na Internet, que atuem no país explorando atividades econômicas, devem se submeter aos termos da Constituição Federal (CF), do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do Marco Civil da Internet (MCI), assim como de leis específicas como a Lei Eleitoral, Estatuto da Criança e Adolescente entre outras“, explicou.

No Brasil, segundo dados da Receita Federal, desde 2012 Musk montou a empresa “X Brasil Internet LTDA”, sob o CNPJ 16.954.565/0001-48, e capital social de R$ 509.185.000,00. A empresa conta com três sócios: Diego de Lima Gualda que entrou na empresa em 04 de outubro de 2023 com o cargo de Administrador/Diretor Jurídico. Conta ainda com o sócio T.i. Brazil Holdings LLC e Twitter International Unlimited, ambos com data de entrada em 2012.

Sua principal atividade no Brasil (CNAE J-6319-4/00) é atuar como “Portais, Provedores de Conteúdo e Outros Serviços de Informação na Internet”. As atividades decorrentes da principal demonstram claramente com o quê a plataforma lucra no Brasil: 1 – Serviços de banco de informação para pesquisa e análise, 2 – Serviços de certificação digital, 3 – Serviços de consulta a banco de dados, 4 – Serviços de distribuição on line de conteúdo, 5 – Serviços de fornecimento de boletins meteorológicos disponíveis na internet, 6 – Serviços de disponibilização de música através da internet, 7 – Serviços de portal de busca da web, 8 – Página de publicidade na internet, 9 – Operação de páginas de entretenimento na internet, 10 – Atividade de search engine, 11 – Site de busca na internet, 12 – Serviços de site de jogos na internet, exceto jogos de azar.

Deste modo, não há como Elon Musk, após a sua decisão de acabar com a operação no Brasil, se livrar de descumprir a legislação brasileira para continuar propagando o seu discurso contra o STF ou pela pretensa defesa da liberdade de expressão. O Estado tem como impedir os abusos que forem cometidos na rede, bastando que tome decisões que atinjam diretamenbte a exploração comercial dessas atividades, sob pena de pagamento de multa se descumprir a decisão. Neste caso, ainda há como o Estado decidir, em instância final, pelo o bloqueio das contas bancárias da plataforma no Brasil. Resta saber se essa briga escalará para isso.

Marco Civil

Para a advogada o Marco Civil da Internet também coloca um “guizo” no pescoço de Elon Musk, quando determina que seja qual for o caso, a operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet quando ocorrer em território nacional, deverá respeitar a legislação brasileira, os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e o sigilo das comunicações privadas e dos registros. Ela já escreveu artigo sobre essa questão com o título: “Eleições 2022 e bloqueio de aplicações na Internet – Base Legal“.

“Destaco que a lei fala qualquer operação, mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil”, explicou.

Para Flávia, independentemente de se estar falando de empresa ou entidade sem fins lucrativos, seja nacional ou estrangeira, a pessoa jurídica que estiver explorando essas atividades descritas acima dentro do Brasil estará sujeita à legislação do país. “Desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no país”, afirmou.

LGPD

Outro nó complicado para o empresário norte-americano desatar no Brasil, segundo um advogado, que pediu para não ter o nome citado nesta reportagem, é a Lei Geral de Proteção de Dados. O empresário não tem como escapar do Artigo 3º da LGPD, em seu inciso I e também no parágrafo 1º, que exige que o tratamento dos dados de brasileiros seja feito no Brasil:

“Art.3º Esta Lei aplica-se a qualquer operação de tratamento realizada por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, independentemente do meio, do país de sua sede ou do país onde estejam localizados os dados, desde que:

I – a operação de tratamento seja realizada no território nacional; (…)

§ 1º Consideram-se coletados no território nacional os dados pessoais cujo titular nele se encontre no momento da coleta.”

Segundo o mesmo advogado, o Artigo 61, que não exclui que uma empresa estrangeira seja notificada ou intimada a prestar esclarecimentos sobre as suas atividades de tratamento de dados, independentemente do fato dela ter ou não alguma representação no Brasil.

“Art. 61. A empresa estrangeira será notificada e intimada de todos os atos processuais previstos nesta Lei, independentemente de procuração ou de disposição contratual ou estatutária, na pessoa do agente ou representante ou pessoa responsável por sua filial, agência, sucursal, estabelecimento ou escritório instalado no Brasil.”

Outros meios de pressão

Neste aspecto, Flavia Lefèvre também lembrou recente decisão do STF de ameaçar tirar o Telegram definitivamente do ar, se não cumprisse ordem do TSE de suspender as contas de Bolsonaro e outros integrantes do seu grupo político. A empresa não quis participar do acordo das plataformas na época das eleições de 2022, que impediu o avanço das fake news durante a campanha. Mas após ter sido descoberto um escritório de Advocacia responsável pelos interesses deste serviço no Brasil; e este ser notificado das punições que o Telegram sofreria, a plataforma acabou cedendo à pressão e impediu Bolsonaro e seu grupo de interagir com os eleitores atés de grupos criados nela.

Isso, sem contar que Musk também bate de frente com o Código de Defesa do Consumidor, que exige que as empresas cumpram o estabelecido na “Política Nacional das Relações de Consumo”. Esta regulamentação estabelece que as empresas precisam criar estruturas dentro do país para atender as necessidades dos consumidores. Além de garantir a reparação por danos materiais, patrimoniais e morais. Como Musk fará, se simplesmente anunciou que deixou de operar no Brasil?

Interpretação

Para o Advogado Walter Aranha Capanema, diretor de Inovação e Ensino na Smart3 Consultoria e Treinamento, e integrante da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), o assunto é controverso e ensejará um longo debate jurídico sobre o fim das operações do “X” no Brasil e seus impactos futuros. Para ele, a legislação brasileira cabe interpretações, mas não haveria nada explícito sobre a necessidade de representação legal do “X” no Brasil. “Você pode criar essa interpretação da lei, faz sentido (representação no Brasil). Mas a lei não fala expressamente isso. O WhatsApp, por exemplo, não tem sede no Brasil, e muita coisa vinha pelo fato de estar no mesmo grupo econômico da Meta”, explicou.

Elon Musk precisa ser mais claro sobre sua decisão. Acabar com a filial da plataforma “X” no Brasil, não significa necessariamente que ele irá abrir mão de algum lucro que obtenha com serviços prestados no Brasil. Mesmo operando a rede social no exterior, ele continuará sujeito a se dobrar diante da legislação brasileira, não terá como escapar dela. Os próximos passos dele definirão se tudo não passou de mais uma bravata ou se ele realmente está disposto a perder dinheiro, além de correr o risco de ser banido definitivamente na Internet brasileira.