Por Jeovani Salomão* – “Você diz a verdade, e a verdade é seu dom de iludir” – Caetano Veloso.
Arsene Lupin é um personagem fictício criado pelo escritor francês Maurice Leblanc no início do século XX. A revista francesa Je sais tout (“eu sei tudo” em tradução livre) queria uma celebridade que significasse para o país o mesmo que Sherlock Homes para a Inglaterra. Ainda não li a obra, embora esteja ansioso para a chegada dos livros que já comprei, mas tomei conhecimento do herói por meio do seriado “Lupin” que está sendo veiculado pela Netflix, neste momento em sua segunda temporada.
A história conta a jornada de Assane Diop, o personagem central, que tenta provar a inocência do pai, acusado de roubo e morto na prisão. Uma das heranças do herói foi o pai ter incutido nele a admiração pelos livros de Lupin, motivo pelo qual a série ganhou o nome do brilhante ladrão. O rival, o patriarca da família Pellegrini, representa o estereótipo mais comum, fixado na cabeça popular, do homem rico e poderoso. Mentiroso, corruptor, dominante, egoísta, contraventor e mais qualquer adjetivo que seja compatível com o rótulo. Para obter seu intento, o protagonista encara uma saga de aventuras que se inicia por um roubo no Louvre.
O ponto mais brilhante das façanhas é a ilusão criada para permitir o sucesso dos assaltos e das demais peripécias. Diop produz uma realidade paralela, ilusória, e como os grandes mágicos, leva suas vítimas a olharem justamente para onde ele quer, enquanto a ação real ocorre em outro plano. Um extraordinário mestre do dom de iludir. Distinguir o que é verdadeiro, quando se defronta com tamanha expertise não é simples. Digo por experiência própria, depois de sair pela segunda vez do mesmo show de David Copperfield, em Las Vegas, eu continuava sem ter a menor ideia do que tinha se passado na realidade. O cidadão, de fato, parecia fazer magia.
Infelizmente, contorcer a realidade e manipular informações no mundo virtual é muito mais fácil que no mundo físico. Mesmo aqueles sem grande talento estão conseguindo criar factoides com alguma facilidade. Ainda existem outros que não inventam, mas repassam sem criticar, gerando uma onda de desinformação.
Se a preocupação já é significativa atualmente, prepare-se para o que o futuro reserva caso não seja efetuada uma ação imediata. A OCDE no PISA, sigla em inglês para Programa Internacional de Avaliação de Alunos, afirmou, com base em dados de 2018, que 66% dos brasileiros com 15 anos, ou seja, da geração de nativos digitais, não são capazes de diferenciar um fato de uma opinião. Em outras palavras, a desenvoltura com a tecnologia apresentada por estes meninos é apenas mecânica. Navegam pelos aplicativos, conectam-se, divertem-se, mas não compreendem.
A mesma pesquisa afirma que desde 2000 a alfabetização digital dos jovens está estagnada em todo o mundo. Ocorre que o acesso e a produção de conhecimento – e também de lixo informacional – está aumentando exponencialmente. Segundo Gil Press, da FORBES, entre 2010 e 2020 houve um incremento de 5.000% dos dados criados, capturados, copiados e consumidos no planeta. Discernir em que fonte acreditar após uma pesquisa nos sites de busca será cada vez mais difícil, ainda mais para aqueles que já não conseguem fazer isto agora.
Um artigo publicado na UOL – Tilt, que faz uma boa análise da pesquisa e cuja leitura eu recomendo, afirma sobre os jovens:
“ … os dados sugerem que eles são, em grande parte, incapazes de compreender nuances ou ambiguidades em textos online, localizar materiais confiáveis em buscas de internet ou em conteúdo de e-mails e redes sociais, avaliar a credibilidade de fontes de informação ou mesmo distinguir fatos de opiniões.“
Fato importantíssimo na pesquisa da OCDE, é que há uma correlação direta entre a leitura – sim aqueles livros em papel ou até os digitais – e o desempenho dos avaliados. Quanto mais o adolescente lê, melhor se sai nos testes. Ressalte-se, também, que leem mais justamente aqueles cujos pais são leitores e incentivam a prática.
Neste cenário, precisamos ser proativos em, pelo menos, dois aspectos. Primeiramente, devemos combater de forma implacável a disseminação de notícias falsas. Não é tão difícil quanto parece, basta adotar uma postura de verificar sempre, buscar fontes alternativas e ter senso crítico. O que estou dizendo, de forma suave, com a última parte (a de ter senso crítico) é: mesmo que a informação lhe seja favorável ou sustente um ponto de vista pessoal, ainda assim, não repasse indiscriminadamente antes de validar. Em segundo lugar, mas não menos importante, voltemos ao começo do artigo e sejamos exemplo de leitura. Gostou da série e ela é baseada em uma obra literária, compre-a. Tenha muitos livros em casa, deixe que seus filhos, netos e amigos adolescentes vejam você lendo o tempo todo. Desta forma, talvez os medíocres não consigam mais forjar realidades por interesse próprio e possamos ter uma sociedade mais consciente.
*Jeovani Salomão é fundador e presidente do Conselho de Administração da Memora Processos SA e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.